É oportuno dizer algo a respeito da grafia usada nas moedas para escrever a palavra Brasil, uma vez que durante o período 1871–1920 ela aparece escrita predominantemente com a letra 'z', contrariamente à prevalência da grafia com 's' firmemente estabelecida desde o século XVI nos documentos e nos livros.

Em muitos idiomas, desde a época do descobrimento encontra-se a grafia moderna, com uso exclusivo de 's': Brésil (francês), Brasile (italiano), Brasilien (alemão), Brasil (espanhol).

Escrevia-se enfim "Brasiliae" em latim, que era a língua internacional dos homens cultos e não permitia o uso da letra 'z', inexistente em seu alfabeto e presente só em palavras estrangeiras. Nos documentos antigos em português encontram-se as duas grafias, porém prevalece o uso de 's'.

A avaliação da frequência das duas grafias pode ser obtida, por exemplo, examinando as páginas de rosto dos livros editados até o século XIX e que se relacionam ao Brasil.

Conseguimos uma razoável estatística analisando a Bibliografia brasileira do período colonial devida a Rubens Borba de Moraes, na qual encontramos 101 vezes a palavra escrita com s e 44 vezes a com z.

Nas moedas é preciso chegar até a segunda metade do século XIX para que apareça o nome da nação em português, com uma exceção: no século XVII os holandeses cunharam moedas de ouro no Recife com a escrita ANNO / BRASIL / 1645 e 1646, que porem pode ser considerada latinizante.

Moeda obsidional (Brasil holandês) de III Florins de 1646 - Imagem cortesia da Heritage Auctions

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Na orla das moedas de 20 e 40 reis de cobre, cunhadas durante o reinado de D. José I (1750-1777) lê-se: IOSEPHUS I D.G. P. ET BRASILIAE REX.

40 réis de 1753 com inscrição IOSEPHUS•I•D•G•P•ET•BRASILIAE•REX - Imagem de fgmjlle (Fórum de Numismática)

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Nas moedas do Reino Unido aparece na orla a legenda IOANNES VI D.G. PORT. BRAS. E ALG. REX, e dizeres semelhantes em latim aparecem nas moedas do Império.

LXXS réis de 1821-B com inscrição JOANNES•VI•D•G•PORT•BRAS•ET•ALG•REX•

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O latim desaparece com as moedas de cuproníquel de 100 e 200 reis, que foram cunhadas no período 1871 a 1885 e levam a legenda IMPÉRIO DO BRAZIL; a mesma escrita aparece nas moedas de cuproníquel de 50, 100 e 200 reis saídas entre 1886 e 1889.

50 réis de 1888 com a inscrição BRAZIL - Imagem: cortesia de Rommel Gomes

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Com o período republicano aparece nas moedas a nova legenda REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL, continuando o uso da letra z. Esta maneira de escrever está presente também nas moedas de 20 e 40 reis de bronze, que foram produzidas de 1889 a 1912, nas de 100 e 200 reis de cuproníquel do período 1889-1900, nas de prata de 500 e 1.000 reis do período 1889-1897 e nas de ouro de 10.000 e 20.000 reis do período 1889-1912.

200 réis de 1900

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A partir de 1900 faz a sua estreia a moderna grafia com as moedas de prata de 400, 1.000, 2.000 e 4.000 reis comemorativas do IV Centenário do Descobrimento do Brasil, que exibem a nova legenda REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, com a letra s conforme a tradição.

O mesmo texto com a letra s aparece nas moedas de cuproníquel de 100, 200, e 400 reis de 1901, nas moedas de prata de 500, 1.000 e 2.000 reis cunhadas entre 1906 e 1912 e nas de mesmo valor cunhadas em 1912 e 1913, conhecidas como estrelas ligadas.

20 réis de 1904 com inscrição BRAZIL - Imagem: Cortesia de Rommel Gomes

No entanto o uso da letra s na palavra Brasil não aparece firmemente estabelecido, uma vez que foram ainda cunhadas moedas trazendo a letra z. São elas as moedas de prata de 500, 1.000 e 2.000 reis cunhadas na Alemanha em 1913, chamadas de estrelas soltas, e a moeda de cuproníquel de 400 reis de 1914, que porém é a última que traz a maneira não tradicional de escrever o nome da nação.

Cumpre lembrar que a grafia com z se encontra também no desenho anexo ao decreto n. 4 de 1889, que descreve as Armas Nacionais, onde pode-se ler a escrita ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL.

Armas Nacionais do Brasil, vigência de 1889 a 1967

As mesmas fases oscilantes de grafia são observadas nas gravuras dos selos, porque ao lado da escrita Brazil presente em todos os selos ordinários até 1920, aparecem os selos comemorativos do IV Centenário do Descobrimento do Brasil em 1900 com a escrita Brasil, que será usada nos selos ordinários só a partir de 1920.

É análoga a situação do papel-moeda, cujo exame permite obter informações valiosas sobre o aparecimento, a permanência e o declínio da grafia BRAZIL.

As mais antigas cédulas emitidas no Brasil são as do período 1827-1837, utilizadas para o recolhimento de grande quantidade de moedas de cobre falsas, que estavam em circulação[1].

Todas elas tem a escrita IMPÉRIO DO BRASIL. Com a mesma legenda encontram-se as primeiras cédulas emitidas pelo Tesouro Nacional, que circularam em 1835 e, sempre com os mesmos dizeres, isto é usando a letra s, foram sendo emitidas cédulas ao longo dos anos cinqüenta e sessenta com alguma intermitência e depois com continuidade a partir de 1866 até 1882.

O súbito aparecimento da nova grafia usando a letra z, acontece em 1883 e o uso de z continua até a proclamação da República, quando por conseqüência aparecem cédulas em 1890 com a legenda REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL.

A nova legenda continuou até 1914 quando, devido à guerra mundial e à perda de remessas de cédulas pelo torpedeamento dos navios que as carregavam, foi decidido o reequipamento da Casa da Moeda, que em 1920 passou a fabricar cédulas, introduzindo novamente a grafia tradicional BRASIL.

Até aqui chegou nossa pesquisa direta, que estava concluída quando conseguimos encontrar ulteriores notícias, que reproduzimos fielmente em seguida, não só motivados pelo interesse intrínseco que apresentam, mas porque demostram como a numismática pode contribuir de muitas maneiras à cultura geral e por isso vir a ser parte não negligenciável da mesma.

Concorre grandemente ao esclarecimento do assunto uma carta[2] datada de 8 de novembro de 1890, dirigida a Rui Barbosa e assinada por João Capistrano de Abreu e José Alexandre Teixeira de Melo, que curiosamente apresenta em alguns trechos conceitos e conclusões que tínhamos elaborado independentemente em nossa análise precedente:

Nos tempos coloniais escrevia-se quase invariavelmente Brasil e não Brazil. Para prová-lo não precisamos de nenhuma apuração estatística de manuscritos ou impressos. Bastas recordar:

1º – Que todas as moedas, a partir de D. Pedro II, em 1700 traziam invariavelmente a palavra escrita Brasil, prova de que tal era a ortografia oficial. Brazil aparece em moeda pela primeira vez num ensaio de 1841 (n.o 16.468 do Catálogo da Exposição de História e Geografia, da Biblioteca Nacional); pela segunda em outro ensaio de 1863 (n.o 16.489 daquele Catálogo), e generalizou-se a partir de 1870, quando se começou a cunhar níquel.

2º – Nas diversas línguas da Europa o nome em questão escreve-se com s: Brasilien em alemão; Brésil em francês; Brasil em espanhol; prova de que tal era a ortografia popular, porque é com os nacionais que os estrangeiros aprendem a escrever as respectivas línguas. O inglês é uma exceção, mas moderna. Purchas, em 1625, escrevia Brasil, e Brasil escrevia, ainda em 1805, Thomas Lindley na tão curiosa narrativa que nos deixou de sua prisão na Bahia.

Depois da independência, Brasil continuou como forma mais usual; mas, na era de 1850, o ilustre historiador Varnhagen afirmou que devia escrever-se Brazil, porque a palavra se derivava de verzino, nome de pau-brasil em italiano.

Efetivamente um dos nomes da madeira era assim; mas havia muitos outros.

Wilheilm Heyd, na sua monumental Geschichte des Levante Handels im Mittelalter, II, pág. 577, dá as seguintes variantes: Lignum brasile (Braxile, brasillum), brasiliun em latim; bersi (bersi, barzi), verzi, e fi nalmente verzino em italiano. Die gebräuchlichsten Benennungen, conclui ele, blieben brasile und verzino. Vê-se pois que o argumento no nosso ilustre historiador não tem grande força. Nem é preciso ser versado em linguística para ver que – verzino – não se pode transformar em Brasil. Melhor argumento seria alegar que Brasil era o nome de uma terra encantada dos Celtas ao Ocidente e que signifi cava, segundo Beauvois, grande (braaz) ilha.

Mas não é uma discussão etimológica que temos em vista e sim chamar a atenção para a variedade que se nota nos documentos oficiais, que na mesma página escrevem a palavra de modos diversos. Que isto não deve continuar é evidente. Que está nas atribuições do Governo fixar a ortografia oficial mostra-nos um caso análogo, citado por Bryce, de um dos estados-unidos da América cujo nome, sendo pronunciado diversamente, os representantes decretaram qual deveria ser a pronuncia. O modo que nos parece mais simples para obter o resultado é ordenar à Casa da Moeda e a o Diário Oficial que de ora em diante empreguem uma só ortografia, a que parecer mais acertada.

Na REVISTA BRAZILEIRA de 15 de fevereiro de 1898 (t. XIII) de p. 148 a 162 apareceu o artigo "questões orthographicas" do gramático Manuel Said Ali Ida. Este autor, depois de ter esclarecido que, tratando-se de ortografia, as palavras certo e errado não tem a mesma precisão que tem quando empregadas com referência a verdades matemáticas porque o que é certo em uma época pode ser considerado erro em outra e o que é tido como correto no país onde se fala um idioma pode ser inadmissível para uma nação que fala língua diferente, vem a tratar por páginas seguidas das palavras em que aparece a sibilante sonora entre duas vogais. Vamos reproduzir o essencial de seus argumentos:

É sabido que em português empregamos para esse efeito ora a letra s, ora a letra z. […] > A letra z ninguém dirá que vem do latim, porque os Romanos só a empregavam esporadicamente em alguns vocábulos que introduziram do greco ou do persa; em português ela usa-se, no entanto, com grande abundância em vocábulos de origem genuinamente latina. […]
Entre-capa da Revista Brazileira 1º ano (1879) - Tomo I

Depois de ter dado exemplos que mostram ser uso geral escrever com z palavras de origem latina: fazer, produzir, trazer, pobreza, prazer, razão, amizade, dezembro, etc. ele lembra que os eruditos exigem que se mantenha o s nos casos em que em latim se emprega essa letra: caso, musa, posição, mesa, peso, defesa, formoso, despesa, tesouro, generoso, atrás, etc.

O gramático conclui que a este dualismo ortográfico de s e z, concorrem três fatores: em primeiro lugar a tendência geral, ou corrente popular, do emprego do z; em segundo lugar a influência erudita, enfim a imitação do francês. Por último o autor vem a tratar dos nomes geográficos observando que "para os nomes próprios de lugares também ha às vezes indecisões ortográficas, quando justamente aí era muito para desejar que não existissem dúvidas". E assim continua:

É nesse terreno plausível que ultimamente apareceu colocada, por erudito investigador, a questão da palavra Brazil ou Brasil de origem desconhecida. Muito competente em matéria, o autor do artigo sustenta que o nome de nosso país se deve escrever com s, porque em documentos antigos assim o encontramos escrito.

Este argumento merece todo o respeito; porque, si a tradição não tivesse influência na ortografia dos nossos nomes próprios ainda menos a deveria ter para as outras palavras e nos possuiríamos hoje um sistema ortográfico ao menos tão simples como o italiano.

Todavia não ha negar que o uso geral as vezes, imitando pouco a pouco uma preferência, um capricho, um hábito de um ou de poucos indivíduos, rompe por fi m com a tradição. E se assim não fosse, não haveria modas novas. Um escritor – não sei se foi Varnhagen, si outro – começou a escrever sistematicamente Brazil (com z) outros o imitaram; e o caso é que esta nova forma hoje é tão usada como a antiga ou talvez mais. Resta saber qual das duas acabará por prevalecer sobre a outra. O futuro o dirá."

Said Ali talvez pensou num futuro próximo, mas em 1921 podia-se ler na Revista do Brasil[3] sobre o assunto um artigo, que reproduzimos em grafia original:

A questão orthográphica, sempre e cada vez mais embrulhada, põe a todo o mundo em diffi culdades. A Academia Brasileira, que deveria assumir no meio desta confusão uma attitude de autoridade, em bem da ordem, teve a lamentavel fraqueza de abrir a questão, ou – o que é peor – de abandonal-a. Com isso a desordem não podia senão augmentar, é o que vae sucedendo.

Na redacção desta "Revista" já não sabemos para onde nos voltar. Cada autor escreve segundo um systema, – este segundo o systema portuguez, aquelle segundo o systema portuguez modifi cado, outro segundo o systema mixto, ou usual, simplifi cado em certos ponto, ou mais complicado ainda do que vulgarmente. […] Não podemos de modo algum, fazer respeitar, dentro da "Revista", todos os modos de graphar[…] A nossa ortographia offi cial é a de Aulete, em falta de outra melhor.

No mesmo número da Revista do Brasil, nas notas dedicadas à Academia Brasileira, pode-se ler o elenco das obras que concorriam aos prêmios para as melhores monografias da língua portuguesa: entre as onze apresentadas destaca-se aquela de F.Assis Cintra intitulada O nome Brazil com "s" ou com "z"? onde o uso da letra z deixa entender a preferencia do autor.

Hoje, como todos sabem, a questão está resolvida em favor de Brasil, conforme o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia de Ciências de Lisboa, edição de 1940 e as Instruções para a Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa aprovadas unanimemente pela Academia Brasileira de Letras, na sessão de 12 de agosto de 1943, que no art. 43 estabelecem:

"Os topônimos de tradição histórica secular não sofrem alteração alguma na sua grafia quando já esteja consagrada pelo consenso diuturno dos brasileiros".

Fonte:
Artigo originalmente publicado no livro As moedas do Brasil - Desde o Reino Unido (1818-2000) publicado em 2016 em memória de Eugenio Vergara Caffarelli, páginas 306 a 309.

Referências

[1] C. AMATO, I.S.NEVES, J.E.SCHUTS, p. 17.

[2] CAPISTRANO DE ABREU, Correspondencia, Brasilia 1977, vol. I, pp. 56-57

[3] REVISTA DO BRASIL, n. 64, abril 1921, p.84.