Moedas contramarcadas são dotadas de grande interesse histórico e de um especial apelo visual, despertando grande fascínio nas comunidades numismáticas por todo o mundo.

As moedas que receberam carimbos e tiveram alterados seus valores, funções e até mesmo suas nacionalidades não raramente transformaram-se de peças comuns em verdadeiras preciosidades.

Na Numismática Brasileira, a carimbagem esteve presente desde os primórdios e dentro dos mais variados contextos históricos e econômicos.

Como exemplos de aplicação oficial, temos os Carimbos Coroados no Séc XVII, mais precisamente em 1643, 1652, 1663, 1679 e 1688.

No Séc XIX, o Carimbo Minas foi criado em 1808 para fazer frente ao aumento de despesas ocasionados pela mudança da Família Real.

Após ele vieram o Carimbo Escudete de 1809, Carimbo Matto Grosso (1818), Carimbo Cuyabá (1820) e Carimbo Geral (1835-1838).

Há carimbos ligados a movimentos revolucionários, como o Carimbo Piratini (Revolução Farroupilha, 1835 a 1845) e carimbos locais para tentar solucionar situações de emergência financeira: Carimbo Pará (1835), Carimbo Ceará (1834) e Maranhão (1834-1835).

Existem diversos carimbos festivos e devocionais, cujo exemplo mais conhecido é Carimbo Divino e há também inúmeros carimbos particulares.

Finalmente os Carimbos do Império, objeto do presente artigo, definitivamente o capítulo mais enigmático da Numismática Brasileira:

Carimbos do império

Contramarca bifacial aplicada nas moedas de cobre, provavelmente entre o final de 1822 (adoção da Coroa Imperial, representada nos carimbos) e 1830, data mais recente conhecida de moeda base que leva o carimbo.

Tem a seguinte descrição:

Carimbo do império de 80 Réis sobre XX Réis de cobre

Anverso do carimbo

Valor ladeado por 2 ramos unidos por um laço. à esquerda, ramo de café com frutos e à direita um ramo de fumo com 3 flores. Sobre o valor, a Coroa Imperial, tudo contornado por uma orla tracejada.

Reverso do carimbo

Igualmente dentro de uma orla tracejada, o Escudo Imperial com o fundo em tracejado verde. Dentro do escudo, a Esfera Armilar sobre a Cruz da Ordem de Cristo, circundada por um anel de estrelas. Há variedades com 18 e com 19 estrelas.

As mais antigas referências conhecidas aos Carimbos do Império são de Julius Meili em seu livro "Das Brasilianische Geldwesen II Theil" de 1897.

O autor nos dá a pista de que as moedas contramarcadas circularam nas províncias de Goiás e Mato Grosso e estabelece a relação entre seus pesos e o padrão circulatório local.

No Quadro I apresenta ilustrações de 6 exemplares, entre estes um sobre moeda de 20 Réis 1828 R e outro com Carimbo Geral sobre o Carimbo do Império.

No "Catálogo da Collecção Numismatica Brasileira" de 1908, Augusto de Souza Lobo apresenta 4 exemplares - 3 sobre XX Réis de D. João VI, todos com Carimbo Geral de 10 e um sobre XL Réis do mesmo rei, com Carimbo Geral de 20.

Também relata a falta de informações a respeito e as contradições entre as poucas disponíveis, manifestando sua preferência pelos estudos de Julius Meili.

Os Carimbos do Império são mencionados por outros autores, como Saturnino de Pádua, Xavier da Mota e Álvaro da Veiga Coimbra sem que a origem seja esclarecida.

Enquanto nem o texto legal nem qualquer documentação oficial sobre os Carimbos vem à tona, temos que nos basear no estudo das peças remanescentes, nas escassas informações existentes e no contexto geral da época para tentar lançar uma luz sobre suas origens e finalidades.

Muito aceita é a romântica teoria dando conta de que o Brasil, nação recém independente, necessitava com urgência de seu próprio meio circulante.

Para dotar o novo país de sua moeda, os cunhos desses carimbos foram abertos às pressas, a tempo de ter as moedas prontas para a cerimônia de coroação do Imperador. Daí chamá-los de Carimbos Primitivos do Império ou Carimbos da Independência.

Essa teoria carece de embasamento documental, já que lei que ordenou os carimbos permanece desconhecida até os dias de hoje.

As denominações Carimbo Primitivo do Império e Carimbo da Independência por sua vez são imprecisas, pois são conhecidas várias moedas imperiais que levam as referidas contramarcas.

A existência de tais moedas separa o evento supostamente homenageado da efetiva aplicação do carimbo em quase 10 anos.

Além disso, a famosa Peça da Coroação, imponente moeda de ouro no valor de 6.400 Réis retratando o Imperador usando uma coroa de louros, foi cunhada para a ocasião.

Ou seja, os Carimbos do Império, simples moedas de cobre contramarcadas, sem o nome, efígie ou qualquer menção ao Imperador seriam totalmente dispensáveis na cerimônia de coroação.

Voltando no tempo, a circulação monetária que sempre foi uma questão complicada no Brasil Colonial continuou sendo problemática no Brasil Imperial.

Sofria-se com a escassez generalizada do meio circulante, com a falta de troco, com o grande volume de moedas falsas e com a diversidade de padrões monetários, que pode ser entendida abaixo:

Padrão Nacional Colonial

Iniciou-se em 1704 com a Carta Régia que determinou a circulação dos vinténs e meios vinténs cunhados na Casa da Moeda do Porto, com peso à razão de 5 Réis a oitava (3,5859 g).

Essas moedas, originalmente destinadas à circulação em Angola, logo mostraram-se excedentes e mais úteis no Brasil, carente de meio circulante.

Além das moedas da Casa da Moeda do Porto destinadas a Angola e ao Brasil, também houve cunhagem de cobre nas Casas da Moeda de Lisboa, Rio de Janeiro e Bahia.

O padrão foi vigente nos reinados de D. Pedro II, D. João V (1706-1750); D. José I (1750-1777); Dna. Maria I e D. Pedro III (1777-1786) e parcialmente no de Dna. Maria I (1786-1799)

Os nominais e seus respectivos pesos eram:

  • V Réis: 1 Oitava ou 3,5859 g;
  • X Réis: 2 Oitavas ou 7,1718 g;
  • XX Réis: 4 Oitavas ou 14,3436 g.
  • XL Réis: 8 Oitavas ou 28,6872 g, introduzido no reinado de D. José I.

Padrão Regional Colonial

Adotado pela primeira vez nas moedas datadas de 1722, cunhadas em Lisboa para circulação nas Minas Gerais, em troca do ouro extraído das minas. Peso à razão de 10 Réis a oitava, nominais de:

  • XX Réis: 2 Oitavas ou 7,1718 g;
  • XL Réis: 4 Oitavas ou 14,3436 g.

Quebra do Padrão Monetário

Por não possuir jazidas de cobre, o Brasil dependia de fornecimento externo do mineral. Com a subida de preço do metal e a decorrente defasagem entre o preço internacional do cobre e o valor facial da moeda, um ajuste foi feito no ano de 1799.

O material empregado valia praticamente o dobro do valor de face, o que tornou necessária uma desvalorização de 50%.

Estabeleceu-se portanto o padrão de peso de 10 Réis a oitava, originando o novo Padrão Nacional que vigorou até o ano de 1832.

Os valores faciais e respectivos pesos das moedas passaram a ser:

  • X Réis: 1 Oitava ou 3,5859 g;
  • XX Réis: 2 Oitavas ou 7,1718 g;
  • XL Réis: 4 Oitavas ou 14,3436 g;
  • LXXX Réis: 8 Oitavas ou 28,6872 g.

Como as moedas do antigo Padrão Colonial ainda corriam pelo valor de face, foi criado pelo Alvará de 18 de abril de 1809 o Carimbo de Escudete, numa tentativa de uniformizar a circulação.

O Carimbo de Escudete foi aplicado nas referidas moedas dobrando seu valor e igualando-o ao das moedas cunhadas no novo padrão monetário.

Nos idos de 1822, havia portanto a seguinte situação de desordem monetária: moedas do antigo Padrão Nacional (1704 a 1799) com e sem Carimbo de Escudete, moedas do antigo Padrão Regional (1722) e moedas do novo padrão (1799 em diante), todas circulando por seu valor de face, sem levar em conta o peso. Não é necessário dizer que trazia grande confusão e prejuízos para a população.

Goyaz e Matto Grosso, as Províncias do Interior, viviam situação de ainda maior gravidade, pois tinham também a dificuldade em reter o meio circulante.

Para tentar solucionar o problema e fixar a moeda no território, foi adotado para as Províncias do Interior o Padrão Regional, à razão de 20 Réis a oitava.

As primeiras moedas emitidas nesse padrão para circulação nas províncias foram cunhadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro entre 1818 e 1820, nos valores de XX, XL e LXXX Réis.

Utilizando o Padrão Regional, as Casas da Moeda de Goiás (Letra Monetária G) e Cuiabá (Letra Monetária C) iniciaram suas operações cunhando os nominais conforme abaixo:

  • 20 Réis: Cunhada somente em Cuiabá em 1825, com peso de uma Oitava (3,5859 g);
  • 40 Réis: Cunhadas em Cuiabá e Goiás, com peso de 2 oitavas (7,1718 g), tiveram a cunhagem iniciada em 1823;
  • 80 Réis: Cunhadas em Cuiabá e Goiás, com peso de 4 oitavas (14,3436 g), tiveram a cunhagem iniciada em 1826.

Evidencia-se portanto a demora até o início da cunhagem de todos os valores com as novas Armas do Império nas referidas províncias.

As dificuldades de comunicação, a precariedade das estradas e meios de transporte, as mais variadas limitações técnicas sem dúvida prejudicaram o pleno funcionamento das casas de Goiás e Cuiabá, o que teria levado à necessidade de recorrer ao artifício de contramarcar as moedas em circulação para suprir as necessidades de meio circulante.

Considerando portanto o Padrão Regional, vigente nas duas Casas Monetárias, a aplicação dos Carimbos do Império justifica-se conforme os critérios de peso a seguir:

Carimbo do império de 40 Réis sobre XX Réis

Carimbo de 40 Réis sobre as moedas de 2 Oitavas (7,1718 g):

  • Moedas de X Réis do antigo Padrão Nacional;
  • Moedas de XX Réis do Padrão Regional Colonial;
  • Moedas de XX Réis pós Quebra do Padrão Monetário;
  • Moedas de 20 Réis do Império, letras R ou B.
Carimbo do império de 80 Réis sobre XX Réis de 1816

Carimbo de 80 Réis sobre moedas de 4 Oitavas (14,3436 g):

  • Moedas de XX Réis do antigo Padrão Nacional;
  • Moedas de XL Réis do Padrão Regional Colonial;
  • Moedas de XL Réis pós quebra do Padrão Monetário;
  • Moedas de 40 Réis do Império, letras R ou B.

A aplicação distinta da mencionada escapa do objetivo de uniformizar a circulação e igualá-la ao Padrão Regional e portanto deve ser considerada como indevida.

Além da necessidade propriamente dita, outro argumento a favor da ocorrência da aplicação em Goiás e Mato Grosso é a semelhança dos estilos das coroas e dos escudos entre os carimbos e as moedas imperiais das Casas de Goiás e Cuiabá.

Essa semelhança é explicada por Saturnino de Pádua em seu livro "Moedas Brasileiras", Segunda Edição, página 147: tanto os cunhos das moedas quanto os dos carimbos foram abertos pela mesma pessoa: Francisco Manoel Campolim, que até setembro de 1823 servira na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, quando foi transferido para Cuiabá como o responsável pela abertura dos cunhos.

Analisando portanto as poucas informações disponíveis e as raras peças remanescentes, entendo que os Carimbos do Império tenham sido uma moeda de necessidade, oriunda do levantamento de valor de moedas dos outros padrões monetários, de modo a ficar equivalente em peso ao Padrão Regional.

A carimbagem teve como objetivos uniformizar os pesos e valores das moedas já em circulação, complementar a cunhagem das casas de Goiás e Cuiabá e compor o meio circulante exclusivamente das Províncias do Interior.