Lá pelos idos de 1985, tive a oportunidade de adquirir e ler um excelente livro introdutório sobre numismática de nosso falecido associado Alain Jean Costilhes. Trata-se do número 147 da coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense, intitulado "O que é numismática".
Esse livreto, que ainda é facilmente encontrado nas lojas de livros usados no centro de São Paulo, se trata de uma obra importante para os iniciantes, apesar de carecer de uma atualização (há 25 anos, quando foi escrito, várias mudanças tecnológicas que estão influenciando a numismática, como computadores e internet ainda não existiam).
Além de fornecer preciosas informações para o numismata iniciante, esta publicação lista uma série de referências bibliográficas essenciais para o início da formação de uma boa biblioteca numismática. Adicionalmente, o autor ainda lista uma série de coleções numismáticas, em museus localizados no exterior e no Brasil.
Ao longo dos últimos 25 anos tive a felicidade de visitar todas as coleções mencionadas por Alain, à exceção do Museu Numismático de Manaus. Sempre me estranhou a ausência de quaisquer comentários sobre este museu por parte de nossos associados mais experientes.
No início deste ano, finalmente surgiu uma oportunidade de conhecer o Museu de Numismática Bernardo Ramos, em Manaus. Consegui uma visita guiada pelo Museu, tendo tido também a oportunidade de conhecer a reserva técnica e os simpáticos profissionais que mantêm o acervo.
A surpresa positiva não poderia ter sido maior. Além de uma equipe muito receptiva, tive a oportunidade de conhecer rapidamente um acervo considerável, que se encontra exposto em elegantes mostruários de madeira de lei com vidros franceses. Todas as moedas encontram-se devidamente identificadas, mas grande parte do acervo ainda carece de classificação detalhada.
A formação da coleção
A origem da coleção de numismática de Bernardo Ramos se deu no final do século XIX, quando este passou a colecionar moedas que lhe pareciam diferentes. Posteriormente, se iniciou a compra de moedas raras do Brasil e de outros países.
Autodidata e interessado pelas antigas civilizações, viajou pela Europa e Oriente Médio, percorreu a Palestina e o Egito, numa época em que isto significava uma viagem de barco de quase 20 dias somente para se cruzar o Oceano Atlântico.
Para poder compreender as legendas das moedas que adquiria, Bernardo tornou-se ainda um profundo conhecedor das línguas bastante incomuns, como o hebraico, o fenício e o sânscrito.
Em 1898, adquiriu a valiosa coleção de numismática e biblioteca do pernambucano Manoel Cícero Peregrino da Silva, tornando assim ainda mais valioso o seu acervo, o que veio despertar o interesse do Governo do Estado do Amazonas, que, através da Lei nº 296 de 6 de outubro de 1899, autoriza a aquisição pelo estado, através de compra, da Coleção de Bernardo d’Azevedo da Silva Ramos.
Quando adquirida, a coleção era considerada como a primeira da América Latina e a quarta do mundo em valor e importância histórica.
Após noventa e seis anos (1997), o Governo voltou a adquirir peças, comprando uma importante coleção de moedas de ouro e, mais recentemente, uma coleção de cédulas flor de estampa de vários países.
Bernardo Ramos
Bernardo d’Azevedo da Silva Ramos deve ser considerado como um dos grandes numismatas brasileiros. Apesar de ter formado um acervo de importância indiscutível, pouco se comenta, mesmo nos meios especializados, sobre este fantástico personagem. A ausência de um catálogo impresso de sua coleção colabora muito para que sua importância continue sendo subestimada.
Nasceu em Manaus-AM, em 12 de novembro de 1858, falecendo no Rio de Janeiro em 5 de fevereiro de 1931. Filho de Manoel da Silva Ramos (fundador da Imprensa em Manaus) e da Sra. Jesuína Maria de Azevedo da Silva Ramos. Foi casado com Sra. Euthália Barroso Ramos (professora) com quem teve 5 filhos.
Oriundo de uma família pobre, e ficando órfão de pai ainda menino, foi trabalhar no Correio local. A partir dos seus 21 anos, Beré, como era chamado carinhosamente pelos amigos e familiares, exerceu vários cargos públicos. Destacando-se na política pela sua honestidade e convicções claras, sendo eleito Intendente Municipal (Vereador).
Comerciante notável, foi fundador e presidente da Associação dos Proprietários de Manaus, fundou e organizou o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas em 25 de março de 1917, e foi também um dos fundadores do Clube Republicano do Amazonas. Devido a relevantes serviços e contribuições prestados a este Estado, o povo manauara, resolveu homenageá-lo, dando o nome Bernardo Ramos à antiga Rua de São Vicente, que faz parte do Centro Histórico de Manaus.
A história do museu
Observação: A história do museu relatada abaixo é uma adaptação da seção 3.2.1 da dissertação de mestrado de Rila Arruda da Costa entitulada "Política cultural e museus no Amazonas (1997 2010)" apresentada an Universidade Federal do Amazonas. A dissertação completa pode ser baixada no site https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3384.
O Museu de Numismática do Amazonas tem sua origem na coleção de moedas, medalhas, cédulas, e documentos históricos, organizada pelo comerciante amazonense Bernardo d’Azevedo da Silva Ramos. Estudioso e fascinado pela Numismática, viajou por vários países, seguidas vezes, adquirindo peças para sua coleção particular.
Em 1898 Bernardo adquiriu a valiosa coleção e respectiva biblioteca especializada, do humanista pernambucano Cícero Peregrino da Silva, enriquecendo ainda mais o seu acervo pessoal.
O Governo do Amazonas, através da Lei n0 296, de 6 de outubro de 1899, autorizou a compra da coleção numismática de Bernardo Ramos para o Estado e pelo Decreto no. 402, de 20 de fevereiro de 1900, "abre um crédito de trezentos contos de réis para ocorrer as despesas com a aquisição da Coleção Numismática do Coronel Bernardo d’Azevedo da Silva Ramos".
Em 1900, por ocasião das festividades do quarto centenário do Descobrimento do Brasil, realizadas no Rio de Janeiro, então capital da Republica, a Coleção Numismática foi exposta, no período de 05 a 31 de maio de 1900, no salão nobre do Externato do Ginásio Nacional, hoje Museu Nacional.
A exposição, ao ser visitada pelo então presidente da República, Dr. Campos Salles, despertou neste um grande interesse devido ao valor histórico e raridade das peças levando-o a fazer uma oferta de compra da coleção para que ela integrasse o acervo do Museu Nacional, no que foi recusado pelo amazonense.
Ao vendê-la para o Governo do Amazonas, Bernardo Ramos perdeu a importância de cem contos de réis, visto que o preço ofertado por Campos Salles era de quatrocentos contos de reis. Mas assegurou que o acervo permanecesse em sua terra natal, onde se encontra até hoje.
Em 30 de novembro de 1900, o Decreto Estadual no. 460 cria a Seção Numismática na Imprensa Oficial e seu Regulamento, dando origem legal ao Museu.
A coleção foi dividida em 24 vitrines, em madeira de lei, com cristal bisotado, e foi aberta á visitação na sede da Imprensa Oficial, que funcionava na Av. Sete de Setembro atual prédio do Banco Bradesco.
Anos depois o Museu foi instalado no Palácio Rio Branco, sede da Secretaria do Interior e Justiça, posteriormente Assembleia Legislativa do Estado, atual Centro Cultural Palácio Rio Branco, na Praça D. Pedro II.
Em 15 de junho de 1965 foi transferido, desta vez para o prédio do Banco do Estado do Amazonas, onde permaneceu até 1970 transferido em 30 de maio para imóvel alugado, na Rua Henrique Martins, onde permaneceu por dez anos. Por Decreto, em novembro de 1980, o Museu foi desativado e seu acervo recolhido aos cofres do Banco do Estado do Amazonas onde permaneceu por dez anos.
Em 30 de novembro de 1990, a Superintendência Cultural do Amazonas nomeou comissão para a reativação do Museu sendo reaberto à visitação no Comando Geral da Policia Militar (atual Palacete Provincial), na Praça Heliodoro Balbi.
Em 2000, transferido para o complexo do Centro Cultural Palácio Rio Negro, no prédio da Villa Ninita, o Museu de Numismática passa a integrar o conjunto de bens e serviços culturais como Museu da Imagem e do Som, a Pinacoteca, o Espaço de Referência Cultural e o Cine Teatro Guarany.
No dia 25 de março de 2009, retornou a sua antiga sede no Comando Geral da Policia Militar (atual Palacete Provincial) na Praça Heliodoro Balbi.
Importância do acervo do Museu
Esta coleção pode ser considerada como o maior acervo numismático da Região Norte do Brasil.
Entre moedas, cédulas, medalhas, condecorações, acervo bibliográficos, pedras litográficas e documentos históricos, o acervo conta com 18.030 peças (em exposição e na reserva técnica). Só em moedas, o acervo tem 9100 itens. Dentre esses, merece destaque a presença de várias moedas brasileiras e estrangeiras contramarcadas.
Além da coleção exposta permanentemente, o museu organiza também algumas exposições numismáticas temporárias. Quando da visita da SNB, estava em cartaz uma excelente exposição sobre a numismática chinesa, com várias moedas do acervo do Museu.
Um aspecto muito importante desta coleção é o de que existem registros bastante precisos sobre as datas de sua formação. Com essas informações, e a partir de uma análise das moedas brasileiras contramarcadas que existem no acervo, é possível se fazer uma avaliação bastante crítica e precisa sobre a autenticidade de alguns tipos dessas contramarcas, datando, de forma precisa, eventuais carimbos duvidosos. É uma fonte de informações preciosa e única para um tema sempre tão controverso.
A classificação detalhada de todas as peças, principalmente nos acervos de moedas clássicas e medievais, deverá produzir surpresas agradáveis ao longo dos próximos anos.
O acervo conta ainda com algumas cédulas e outros itens numismáticos bastante interessantes. Em exposição, existe uma guia de barra de ouro aparentemente cancelada através de duas linhas paralelas e transversais ao texto da guia.
A impressionante abrangência do acervo (que vai desde as primeiras moedas na Ásia Menor até moedas diversas do início do Século XX, contando ainda com várias cédulas e outros materiais de grande interesse numismático), reforça a importância dessa coleção.
Não se pode esquecer que todo este rico acervo foi formado numa época em que as viagens internacionais eram extremamente raras e difíceis, quando toda correspondência se dava através de cartas postais. Uma moeda arrematada em um leilão poderia levar meses para chegar da Europa até Manaus através de uma carta.
Daí a importância das constantes viagens internacionais de Bernardo, e necessidade de maior reconhecimento de seus esforços para montagem da coleção.
Deve ser ressaltada também a grande importância didática do acervo, que é visitado anualmente por milhares de alunos das escolas de Manaus.
Referências bibliográficas
Bittencourt, Agnello – Dicionário Amazonense de Biografias (Vultos do Passado).
Material Promocional do Museu de Numismática Bernardo Ramos
COSTA, Rila Arruda da. Política cultural e museus no Amazonas (1997 2010). 2011. 164 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2011.
Agradecimentos
A SNB agradece a Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas pela atenciosa recepção e especialmente a Lícia Margareth Vieira, que zelosamente cuida deste tesouro numismático, com a ajuda de todos os funcionários do Museu.
Autorização de publicação
Esse artigo foi originalmente publicado no Boletim 65 da Sociedade Numismática Brasileira pelo Sr. Hilton Aparecido Magri Lucio (Diretor de Divulgação) e publicado neste Blog Collectprime mediante autorização da SNB, na pessoa do Presidente Gilberto Tenor no dia 11/08/2018.