Um dos mistérios mais empolgantes e discutidos da numismática brasileira volta à tona com inéditas revelações da artista plástica Glória Dias, que participou da equipe de design do famoso Real Balsemão ou real da bromélia.
A peça, que intrigou muitos especialistas e colocou em cheque a reputação de um ilustre gravador brasileiro, realmente foi feita na Casa da Moeda do Brasil (CMB) e é um teste de material do que viria a ser uma das moedas da segunda família do Real, lançada em 1998.
Quem afirma é a coautora dos projetos da nova família do real, Glória Dias, atualmente Assessora Técnica do Gabinete da Presidência da CMB. A designer, medalhista e moedeira é também criadora dos desenhos de recentes moedas comemorativas brasileiras, como as dos 40 e 50 anos do BACEN e a do Centenário de Belo Horizonte.
Nesta entrevista, Glória confirma que é uma peça feita na CMB e dá um sensacional e detalhado relato sobre a moeda.
"Não imaginávamos o sucesso que essa peça-teste faria, pois era para ter sido devolvida à CMB, para descaracterização. Foi feita para testar ajustes e melhorias para aumento de ductibilidade”, diz.
Entenda a polêmica
Em 2011, o gaúcho Pedro Balsemão anunciou ter encontrado uma raridade até então desconhecida do meio numismático; uma moeda de 1 real bimetálica datada de 1997, completamente diferente das circulantes. No reverso, está a figura de uma bromélia, sobreposta pela inscrição 1 real. No anverso, conhecida imagem da efígie da República, idêntica à que esteve presente em moedas de Cruzeiro entre 1967 e 1978.
Apresentada em congresso da SNB, a moeda dividiu as opiniões de especialistas. A tese de que realmente era um ensaio desconhecido fabricado pela CMB foi defendida de maneira ferrenha por Balsemão.
Por outro lado, uma vertente importante de numismatas via com incredulidade a recente descoberta. Havia até mesmo quem suspeitasse de que a moeda fora feita pelo próprio gaúcho, ilustre escultor de cunhos, medalheiro e fabricante de réplicas perfeitas de moedas raras. A Casa da Moeda nunca admitiu oficialmente que aquela peça havia saído das suas fábricas.
"Sofri muito com desconfianças de próprios colegas numismatas. Pessoas tratavam o assunto com ironia e risadinhas disfarçadas", diz Balsemão.
Também surgiu a vertente de numismatas que acreditavam ser a bromélia uma ficha que seria usada exclusivamente em vending machines, essas máquinas que vendem refrigerantes, doces e até flores.
A teoria deles era de que, em virtude da futura substituição do padrão das moedas, a CMB criou fichas de fantasia para testes e enviou-as aos fabricantes das máquinas. Essa afirmação mudava completamente o status do achado de Balsemão: de inédito ensaio de moeda passava a ser um simples token.
A entrevista esclarecedora
Glória, como surgiu a ideia dessa moeda da bromélia, hoje conhecida como Real Balsemão?
Essas peças foram confeccionadas exclusivamente para testes, já com as características de material das moedas que seriam lançadas.
Ela foi feita para testar ajustes e melhorias para aumento de ductibilidade. Não usamos as matrizes da moeda de 1 real que seria válida, exatamente para não corrermos o risco de criarmos uma raridade.
Não imaginávamos o sucesso que essa peça-teste faria, pois era para ter sido devolvida à CMB, para descaracterização.
Como você ficou sabendo do vazamento?
Encaminhamos algumas peças para apreciação e testes, e o trabalho seguiu adiante. Houve um momento, anos após as remessas, que a moeda teste surgiu em publicações especializadas.
Muitos colecionadores, ao mesmo tempo em que queriam saber tudo a seu respeito, fantasiaram histórias sobre a criação dela. Mas a verdade é que foi um teste para otimização do nosso processo fabril.
E por que foi datada em 1997?
A concepção artística e técnica de uma nova série de moedas de circulação se dá muito tempo antes de sua emissão e distribuição. São muitos os estudos e testes para garantir a melhor performance nas máquinas de industrialização. É o tipo de produto que precisa responder bem aos quesitos de altíssima e acelerada produção.
E por que não se usou nesses testes o mesmo desenho das moedas que seriam lançadas?
Uma moeda é um produto de alta segurança, e nem todos os testes ocorrem em ambiente “oficial”. Por isso, a melhor maneira é não contar com a arte válida, mas sim com uma que simule perfeitamente os volumes da gravura original. Esse foi o caso da bromélia. Não podíamos arriscar o vazamento do layout artístico da moeda. E, visto que essas peças teste vazaram misteriosamente, fica implicitamente reforçada essa orientação.
Essa moeda seria então utilizada para testes de material em geral, não somente para vending machines?
A peça da bromélia foi criada para amplos testes que serviriam para definições de especificações do produto “moeda de circulação bimetálica, taxa de 1 real”. Teste em vending machines é apenas mais uma entre tantas características para quais a moeda deve estar apta.
E por que escolheu o desenho da bromélia?
O uso de figuras históricas poderia suscitar elucubrações várias sobre tendências políticas, mesmo sendo uma peça teste. Se vazasse, o que acabou acontecendo, poderia haver questionamento do tipo: Por que um homem? Por que um militar? Por que um artista? Um músico de esquerda? Um esportista? Com tanto cientista importante, por que esse? Como era um simples teste, não valeria a pena se preocupar com essas coisas. A bromélia já nasceu politicamente correta. Afinal, quem é contra as bromélias?
E a efígie da República? Ela já havia sido usada em moedas dos anos 1970. Qual o motivo de usá-la novamente?
Essa efígie era unanimidade entre todos os artistas da época como a mais bela de todas. A obra é do gravador numismata Mestre Benedicto Ribeiro, admirado por toda equipe. O perfil que inspirou ele foi o da jovem e belíssima atriz Tonia Carrero.
Em tempos de delação premiada, nós que fomos premiados com os relatos da artista. O depoimento de Glória, apesar de ser testemunhal e não documental, encerra a maioria das dúvidas que cercavam o Real Balsemão.
A moeda foi feita nas oficinas da CMB e trata-se de teste de material, não sendo um ensaio de layout. A moeda é original, mesmo não sendo oficial.