A origem da moeda como a temos estudado na Numismática até hoje, o lingote ou disco metálico, padrão de valor, emitido com símbolos próprios a garantir o seu toque e peso pela suprema autoridade do agregado social a que pertence, remonta no século VII a. C.
Antes, porém, que a moeda atingisse essa fase definitiva ou melhor, clássica, tal como é conhecida, a moeda teve uma longa fase, pré-montaria recordada ainda hoje na nomenclatura numismática e outrora graficamente nas primeiras moedas de Roma.
Por essa razão, ao contrário do que se pensava, a moeda não é tal como existe, o produto de uma invenção genial, mas o resultado de uma longuíssima evolução que durou séculos, sendo, portanto, usada como padrão comparativo de valores, estendendo-se esta avaliação aos animais, machados, metal em barra, etc.
Vejamos como nasceu a moeda, ou por outras palavras, como se deu a sua evolução. Teremos para tal, de remontar ao tempo das primitivas sociedades humanas em que os povos ainda não eram organizados em nações, para depois encontrarmos a noção de propriedade instintiva do homem e da qual resultou a permuta, ou seja, a troca direta de um objeto por outro, a instituição do valor, base de todas as permutas.
A história econômica nos ensina que, vários produtos exerceram a função de padrão de valor, de instrumento de troca através das idades, muito antes da moeda metálica, de acordo com a produção de cada país, com o tipo social determinado pelas condições mesológicas em que se desenvolveram os grupos humanos.
O inventário que se tentasse fazer das coisas usadas como meios de troca pelas populações em estado primitivo, nunca seria completo, tal é o número e a variedade dessas coisas. De lugar para lugar mudavam os instrumentos de troca, não tendo havido em todo o ciclo monetário, fora do regime dos metais, senão uma qualidade de moeda com geral aceitação numa área extensa e com uma duração que chegou aos tempos modernos. Foi a moeda viva, o gado no regime pastoril.
O gado como moeda
Antes de ser agricultor, o homem foi nômade, desfrutando a terra sem a possuir; de seu, só tinha o rebanho que apascentava. A terra era apenas um lugar de passagem. No regime pastoril, as pastagens eram de todos e o gado a sua riqueza, a moeda normal dos povos pastores e nenhuma, fora das espécies metálicas, foi tão constante e tão geral como ela. As outras mercadorias, que sem conta serviram de moeda, eram locais e inconstantes. O gado não.
A área geográfica dos nômades era toda a terra então conhecida. Deste modo, era o gado que- mais se devia ter empregado como meio de troca, sendo este fato demonstrado pela linguagem, pelas tradições e por numerosas sobrevivências.
A cabeça de gado era a unidade variável de valor, segundo fosse a rês, grande como um touro ou uma vaca, ou pequena como a ovelha ou cabra.
Foi necessário então estabelecer, dada a diferença de rendimento, um valor. Assim, se estipulou que 1 boi, equivalia a 10 ovelhas, o que representava mais um passo nessa longa cadeia dos meios de troca entre os homens, acentuando a noção de valor.
Nos Vedas e no Avesta, todas as avaliações eram feitas em cabeças de gado e na Ilíada se têm notícia de que Diomedes deu 9 bois por uma armadura e por metade se adquiria uma escrava para o trabalho; lê-se na Odisseia que Laertes pagará com 20 bois a posse de Euricléia e na Bíblia, que Jó, voltando da Mesopotâmia às terras de Canaã, ali comprara um campo, que pagou com 100 ovelhas.
Naqueles recuados tempos, quando o boi era o padrão monetário, socorriam-se dos animais menores, assim como de suas peles para permutas de menor monta, uma espécie de moeda subsidiária de nossos tempos.
Do uso prolongado do boi como moeda entre os romanos, restam vestígios indeléveis nas línguas neolatinas: pecúnia, peculato, pecúlio, etc. Fatos semelhantes encontram-se em outras partes do globo.
O nome da moeda de prata da Índia moderna, rúpia, deriva-se do sânscrito rupa, que significava gado e no Velho Testamento, designava-se a moeda pela palavra hebraica kesitah, que em algumas versões antigas se traduz por ovelha ou carneiro o que é outra prova do primitivo emprego do gado como meio de troca.
Os antigos suevos avaliavam também as suas fortunas em gado e nos povos helvéticos, a palavra vich, gado, era empregada na acepção geral da mercadoria. Em muitas regiões asiáticas, africanas e mesmo europeias, ainda hoje se emprega o gado como padrão do valor das coisas.
Nas regiões onde o búfalo ou o boi vivem em abundância, como na Indo-China e no sul da Sibéria e mesmo entre os hotentotes e os zulus, esses animais exercem essas funções.
Na Abissínia, como na antiga Roma, as multas eram fixadas em bois e em vacas pelos juízes e os chefes de tribos. O mesmo uso existe entre outros povos do centro da África.
No Cáucaso, as vacas representam o principal papel como meio de transação. Ali, um boi vale duas vacas, duas vacas valem vinte carneiros, etc.
Cauda de elefante como moeda
Na África Central, os pelos negros e compridos da extremidade da cauda dos elefantes, tinham ainda há pouco tempo enorme valor monetário, que só começou a decrescer com o aparecimento de caçadores americanos e europeus à caça desses animais nas bravias selvas africanas.
Fumo como moeda
Inúmeros exemplos mais poderíamos ir buscar na antiga Grécia, na Pérsia, na Itália, na Germânia, na Irlanda e em outras regiões asiáticas e africanas.
Entre as populações dadas à agricultura, encontramos como padrão de valor diversos produtos agrícolas, tais como: o algodão na Polinésia; o cacau na América; o chá na Mongólia; o fumo na Virgínia; o tecido de cânhamo na Coréia, etc. Diremos aqui que, no Estado da Virgínia, nos tempos coloniais, comprava-se uma mulher por determinada quantia de fumo.
Pau-brasil como moeda
Ao tempo do descobrimento do Brasil, era o "pau brasil" instrumento de troca e aquisição; atendendo ao atraso em que viviam os habitantes do país, os colonizadores lhes apresentavam várias mercadorias como dinheiro, entre os quais, anzóis, contas, miçangas, etc.
No entanto, no meado do século XVII, quando já circulavam no país moedas do Brasil Colônia, o padre Antônio Vieira, no primeiro domingo da Quaresma do ano de 1653, dizia num sermão pronunciado no Maranhão: "o dinheiro desta terra, é pano de algodão". E realmente assim era. Devido à escassez de -moeda metálica naquela Província, o algodão em novelos, meadas e tecidos, corria como dinheiro.
Além do algodão, entre nós, outros produtos circularam, notadamente o açúcar, o cacau, o cravo e o tabaco. Isto foi disposto pela Carta Régia de 15 de fevereiro de 1712. Devida a escassez não só da moeda metálica, como do próprio pano que ali circulava.
Peles de animais como moeda
Entre os povos caçadores, encontramos como padrão de valor, as peles e outros produtos animais.
Na antiga Rússia, as peles exerceram durante muito tempo a função de moeda, de instrumento de troca e medida de valor. Há exemplos modernos dessa prática no Alasca, na Baía de Hudson, na Lapônia e Estônia, onde as peles de castor e de outros animais de zona fria, representam o meio de troca. Na Groenlândia, as peles dos ursos circularam como dinheiro.
O vocábulo "rcha" em todos esses lugares, significa ao mesmo tempo pele e moeda.
Anzóis e peixes como moeda
Os anzóis como moeda, foram utilizados entre os pescadores das costas da Índia e do Ceilão e das ilhas Malvinas e Laquedivas, com a denominação de larim ou larí.
O larim, transformação gradual do anzol servindo de moeda, era uma haste metálica recurvada e enrolada sobre si mesma. Esta moeda de pescadores, tinha este nome derivado da cidade de Lari, no golfo Pérsico.
Os larins em cobre e em prata, eram ainda usados no começo do século XVIII e muitos traziam inscrições árabes. O peso do larim de prata, se aproximava muitas vezes da rúpia indiana (11,65 grs.). Nas ilhas Maldivas, um larim de prata era estimado em 12.000 cauris.
Entre pescadores, os padrões de valor foram naturalmente o peixe, os anzóis e diversas espécies de conchas denominadas cauris, zimbos, wampuns, empregadas como moeda em quase toda a África, numa grande parte da Índia e em muitas terras oceânicas.
Vejamos outros exemplos. Na Islândia, encontramos o peixe seco como padrão monetário, existindo um documento datado de 1413 a 1426, que traz uma relação de mercadorias avaliadas em peixes secos.
Na Terra Nova, o peixe era ainda em 1825, oficialmente, a sua medida de valor, o seu meio aquisitivo.
Em épocas mais recuadas, em outras latitudes, encontramos igualmente vestígios do peixe como padrão de valor. Entre os sármatas, os milesianos fundaram uma colônia chamada Ólbia que em breve se tornou florescente e dentro em pouco, em meado do século IV a. C., começou a emitir suas moedas que tinham a singularidade de terem a forma de um peixe, com a inscrição apixo, forma bárbara de tapixos, que significava peixe salgado, que era o elemento essencial do comércio da colônia.
Cauri como moeda
Dentre as moedas primitivas e estas do conhecimento dos numismatas, citam-se as conchas, ocupando sem dúvida o posto mais importante, porquanto é apreciável a extensão geográfica em que tem sido observada a circulação como moeda. A concha que mais se encontra nas transações comerciais, é conhecida sob a classificação de cypraea, que no uso comum, é denominada cauri.
Os chamados cauri, cowrie em inglês, coris ou bouge em francês, bucio em espanhol, buzio em português, são espécies de cyprea ou caracóis de porcelana usados outrora como moeda corrente. Sabe-se que, na Antiguidade, o cauri era usado na Ásia, principalmente na China e no Japão.
Foi procurada a origem deste nome cauri e diversas foram as explicações, sendo a mais aceita, a que a faz derivar de um termo muito usado na antiga Índia e no Indostão. Na literatura que recorda a concha que ora tratamos, parece haver certa confusão quanto a denominação do tipo de conchas encontradas nas águas que banham os vários territórios.
Geralmente o estudioso distingue duas variedades de conchas na monetação: cypraea moneta e cypraes anriulus. A primeira chamada grande concha, tem o comprimento de dois centímetros e meio; a segunda, chamada pequena concha, conhecida também por cauri circular, é menos longa, quase simétrica nas dimensões, um pouco estreita na parte central.
As duas variedades são distintas, com denominação de caráter geográfico; a primeira é chamada "indiana" e a segunda "africana". A área geográfica na qual em África predomina o cauri, é constituída do território da África Ocidental e que segundo nos relata zimbos, wampuns, empregadas como moeda em quase toda a Áfri-Firth, vai da África Ocidental, do Saara ao golfo de Benin, compreendendo a bacia Níger-Bené, incluindo o território do Congo Superior-Lualaba
A primeira notícia que nos veio sobre o cauri, remonta a Idade-Média e dela nos diz o conhecido veneziano Marco Polo, nas suas audaciosas viagens à região chinesa de Toloman:
"Seu dinheiro é assim, como vos informo. Usam para esse fim certas conchas de porcelana branca, como as usadas antigamente nas coleiras dos cães, as quais são achadas no mar. 80 caracóis de porcelana fazem 1 peso de praia, no valor de 2 grossi, isto é, 24 picoli. Por conseguinte, 8 dos tais "peso prata" equivalem a 1 peso ouro".
Certamente, as questões ligadas com os Cauris como intermediários de trocas, não são de fácil solução, mesmo porque os dados etnográficos são muito escassos, frequentemente limitados a modestas indicações de caráter genérico. Um estudo aprofundado de todas as variedades de conchas na moedagem poderá, certamente, fornecer elementos preciosos para mais uma segura avaliação do uso das conchas na história das trocas africanas e das conchas asiáticas.
Em certas regiões dos continentes asiático e africano, ainda hoje se encontra entre povos primitivos correndo como moeda, os cauris e os zimbos. Estes e mais os gimbos ou gibombos, foram encontrados também pelos negros da Bahia que os usavam com o mesmo fim. E diz-nos Frei Vicente do Salvador, na sua História do Brasil:
"Desse molusco eram remetidas pipas cheias para Angola, em troca de escravos".
Peças de jade como dinheiro
Outra variedade de dinheiro na China eram as artísticas peças de "jade" maravilhosamente desenhadas.
Na antiga China e no Japão, para que um homem fosse verdadeiramente rico, necessitava possuir cem mil conchas marinhas de um determinado tipo, segundo informa uma das mais antigas obras da literatura chinesa escrita por Ya-King. Na língua chinesa, existem vestígios desta prática; o prefixo pei, significando concha, entra em muitas expressões e se traduz por bens, fortuna, riqueza.
Nas ilhas Salomão, essas mesmas conchas ainda hoje são usadas como base para aquisição de determinados objetos.
Entre os indígenas da América do Norte, pela época do descobrimento, eram os wampuns que corriam como moeda. Eram ornatos fabricados de duas espécies de conchas, umas brancas e outras violetas ou negra (a Buccinum e a Venus Mercatoria) abundantes no golfo do México.
Durante muito tempo, os colonos usaram os wampuns como moeda, mas hoje somente algumas tribos da Califórnia persistem no seu uso denominando-as al-li-kochik, que significa "moeda indiana" na língua nativa. (Babelon, "Les Origines de la monnaie").
Seres humanos como moeda
Parece mesmo que no ocidente céltico, era a mulher mais utilizada como moeda do que o homem, sendo quase sempre fixado em mulheres ou em vacas, o preço das compensações a dinheiro, ou das multas a pagar.
Nas viagens de Cook e de Dumont d'Urville, citam-se muitas vezes as mulheres como se fossem mercadorias, e não há ainda muito tempo, era uma cabeça de escravo, homem ou mulher, unidade de valor na Nova Guiné.
Na terra do Sol da Meia Noite, em tempos idos, podia ser adquirida uma esposa em troca de certo número de anzóis.
E já que falamos em troca de seres humanos, vamos dar mais um exemplo. Na Irlanda, o preço de um homem considerava-se equivalente ao de sete mulheres e o de uma mulher, ao de três cabeças de gado.
Consequentemente, um homem valia tanto como vinte bois e tão vulgarizada estava esta equivalência, que chegou a se tomar por unidade monetária o valor da vida de um homem. Assim, se um lavrador comprava um terreno que lhe custava tanto como poderia lhe custar sessenta e três bois, dizia que tinha custado três homens.
O famoso apóstolo da Irlanda, São Patrício, gabava-se de ter distribuído em esmolas nas suas visitas aos pobres, nada menos do que o preço de 15 homens, ou 105 mulheres, visto que na antiga Irlanda era de sete mulheres, pela tabela do "Senchuns Mor", o valor legal de um homem.
Em Uganda, uma boa esposa custa em média 4 touros, uma caixa de cartuchos e sete agulhas de coser. Uma mulher cafre, segundo a sua categoria social, vale de duas a dez vacas.
Na Tartária, o marido compra a mulher ao pai, por manteiga.
Entre os mishmis, um homem paga a esposa por vinte bois, mas se é pobre, pode comprar uma mulher por um porco.
Em Tornorlan, não se compra uma mulher, sem que se ofereça uns dentes de elefante e, entre os naturais da Fidji, dá-se um dente de baleia.
Sal como moeda
Um nativo de certa região da Etiópia ficaria maravilhado, se se encontrasse no grande deserto de sal do sul de Utah, onde milhões de toneladas de cristais de sal cobrem o terreno até onde a vista alcança, pois nas montanhas do remoto "hinterland" africano, sal é usado como dinheiro.
Conclusão
Pelos referidos exemplos, já se poderá fazer uma ideia da variedade de produtos que têm servido de moeda.
Entretanto, nenhum outro sistema monetário teve a generalidade da moeda viva — o gado. E o costume de considerar o gado como padrão de valor das coisas torna-se tão geral entre os povos da Antiguidade, que os seus vestígios ficaram existindo durante muito tempo na moeda metálica.
Assim, as mais antigas moedas que se cunharam na Eubéia, na Fócida e na Itália central, tinham por signo uma cabeça de touro. Dizia-se por isso das moedas de Sérvio Túlio "bovum oviumque effigie".
Mostra-se também, no Agamennon de Ésquilo, em que a figura de um boi era o cunho mais geralmente aplicado às moedas atenienses e esse mesmo signo se vê em antigas moedas da França. São sobrevivências da moeda dos tempos do regime pastoril.
Do direito consuetudinário dos povos pastores, passou para a legislação. O que primeiro era só costume, codificou-se. As leis draconianas na Grécia, e em Roma as leis Aternia-Tarpéia e Me-nênia-Séstia, ordenavam que tudo se avaliasse em cabeças de gado por tal maneira o fizeram que, passados alguns anos, tinham os censores transferido para o Estado, em multas, quase todos os rebanhos dos particulares.
A moeda metálica já então tinha entrado na circulação e depois de Solon ter revogado as leis de Dracon convertendo em valores monetários os valores expressos em gado, mesmo fez em Roma a lei Júlia-Papíria.
Durou muito e durará sempre nas tradições, essa moeda que tão estranha nos parece agora. Nunca se apagarão os vestígios que dela ficaram, não só na nomenclatura monetária, mas também materialmente na própria moeda metálica, pois tendo começado pelo animal vivo, acabou pela sua efígie na moeda cunhada.