A história do meio circulante nas Capitanias brasileiras dominadas pelos holandeses foi intensamente esclarecida pela obra de Hermann Wätjen "Das holländische Kolonialreich in Brasilien", publicada em Gotha em 1921 e traduzida para o vernáculo por Pedro Celso Uchôa Cavalcanti, em 1938, e publicada pela Companhia Editora Nacional.

Eram deficientíssimas as informações colhidas em VAN LOON, MAILIET, JULIUS MEILI, VARNHAGEN e ALFREDO DE CARVALHO, sobre as denominadas "obsidionais holandesas". Hoje temos fonte mais abundante e límpida. Vamos aqui resumir o que nos ensina o douto historiador Hermann Wätjen, juntando à sua lição histórica a descrição das moedas de necessidade emitidas pelos holandeses no Recife, isto é, vamos juntar aos dados da história monetária os da numismática.

Nas Capitanias assenhoreadas pelos holandeses, Pernambuco, Itamaracá, Alagoas, Paraiba e Rio Grande, estabeleceu-se, como era natural, a circulação de moedas da Holanda. Assim, ali correram florins, soldos e xelins, moedas das províncias dos Países Baixos. Havia, porém, grande escassez de numerário, dada a irregularidade e a insignificância das remessas, principalmente de moeda miúda. As crises monetárias sucediam-se, cada vez mais graves. Recorreram os administradores a diversos expedientes. Vejamos quais foram eles:

Emissão de ordens de pagamento, em número ilimitado, sobre remessas de dinheiro que só chegariam da Holanda a longos prazos, empregando tais bilhetes, com a assinatura dos conselheiros, para a satisfação de dívidas e cobertura de gastos mais prementes.

Em 1639, a fim de obviar a introdução de moeda má e o imediato afugentamento da boa, propôs o Governo do Recife aos diretores da Companhia das Índias a cunhagem na Holanda de moedas especiais, cuja força liberativa legal se limitasse ao domínio colonial brasileiro.

O Conselho dos XIX não se deixou seduzir por essa proposta, mas encarregou as Câmaras da Companhia de enviar para Pernambuco a soma de 7.000 florins em dinheiro miúdo.

Essa remessa aliviou momentaneamente, mas não poderia sanar de uma vez a situação precária do meio circulante. Outros fatos vieram agravá-la.

O medo da armada espanhola que desde alguns meses anunciada surgiu afinal nas costas da Nova Holanda em janeiro de 1640 e a expectativa de novas incursões por parte dos inimigos fizeram com que a maioria dos habitantes do país enterrasse em lugar seguro o seu dinheiro, especialmente as moedas de alto valor, os apreciados reais de prata de Espanha. Desse modo foi retirada da circulação grande parte do numerário em giro.

Para aliviar essa aflitiva situação, viu-se o governo obrigado a emitir as denominadas "ordonantian", isto é, ordens de pagamento pelas rendas reais em arrecadação e a expedir um decreto em que se determinava para todos a aceitação obrigatória desse papel moeda, em pagamento de qualquer transação. Não se cuidou, porém, de determinar o limite dessas emissões. Foi isso em 1640.

No mesmo ano, além das ordenanças ilimitadas, entraram igualmente em circulação vales em troca de farinha de mandioca e carne, o que tudo motivou a desvalorização das ordenanças.

Em compensação, a moeda metálica, que se havia tornado tão rara no giro comercial, subiu logo espantosamente e com ela os preços dos gêneros de primeira necessidade, os tecidos e suas confecções.

Nassau e seus conselheiros propuseram então ao Diretório Geral a fixação das moedas de ouro, prata e cobre em circulação no Brasil num valor cambial mais alto do que o dos tempos normais, de modo que excedesse o preço das moedas da Holanda. Destarte, opinava o Governo de Pernambuco, poderia o dinheiro amoedado ser atraído para ali e oferecer-se-ia aos comerciantes a possibilidade de transações lucrativas.

Os diretores, porém, escarmentados pelo grave erro da emissão das ordenanças, recusaram o seu assentimento a essa medida, considerando a experiência demasiado perigosa. Providenciaram, entretanto, para que as Câmaras da Companhia das Índias fizessem remessas mais vultosas de numerário para o Recife.

E assim, durante um certo período, cessaram as queixas sobre a falta de moeda, e pouco a pouco o Alto Conselho pode resgatar o acervo existente de ordenanças e vales.

Em princípios de 1642, navios chegados de Amsterdam descarregaram avultado número de caixas repletas de moedas de ouro, conhecidas sob o nome de "Portugalezas" (são os Portugueses de D. Manuel e de D, João III, de ouro de 23 3/4 de quilate, então ainda em circulação). Pelo desejo do Conselho dos XIX deviam ser postos em circulação com o valor cambial de 75 florins, por peça. Sendo, porém, semelhante valor demasiado alto para o Brasil, e não se achando absolutamente em relação ao preço cotado para as pistolas e os 8 reales de prata, o governo recifense fez um reajustamento, baixando as Portugalezas para 60 florins e as pistolas dobrões para 9 florins e 10 soldos.

Em seguida, pediu ao Diretório que lhe permitisse decretar a proibição da exportação, do Brasil, de dinheiro amoedado.

Como a resposta tardasse, o governador e o Conselho, no intuito de oporem um paradeiro à evasão das espécies em circulação, lançaram por autoridade própria o imposto de (10%) sobre todas as moedas de ouro e prata que saíssem do Brasil e análogo tributo de (15%) para os xelins e peças de menor valor.

Em meados de 1642 foi criado um Conselho de Finanças para salvar o Brasil holandês da miséria econômica.

O Conselho dos XIX dentro de pouco tempo verificou que sua ideia fora uma fatal ilusão, pois, apenas esta corporação havia iniciado o seu trabalho, nova e terrível crise monetária desabou sobre a colônia. A crise de 1643 foi o resultado de diferentes causas. Por uma parte, o Diretório Geral tinha arrefecido na expedição das regulares remessas de numerário, e, quando o dinheiro chegava, mal dava para uma ou duas semanas. Por outro lado, os cofres da Companhia eram extremamente onerados com as grandes construções levadas a efeito por Nassau, as fortificações, as despesas da guerra, da colonização e administração do vasto domínio tão rapidamente dilatado além de seus antigos precintos.

Mal iniciara o Conselho de Finanças a sua atividade, as transações paralisaram-se e o dinheiro de prata pôs-se em fuga do país. As tropas por sua vez começaram a resmungar. Já se davam casos isolados de pilhagem e violência.

Depois da partida de João Maurício, a crise financeira entrou numa nova fase.

O Governo não sabia mais onde buscar dinheiro para pagar o soldo semanal às tropas.

Com medo que rebentasse uma sublevação militar, que pusesse em perigo a existência da colônia, o Alto Conselho pôs novamente em circulação as Ordenanças. Posto que perigosa a medida, esperava ele uma boa safra de açúcar e contava com certeza que a exposição que João Maurício havia de fazer à Companhia na Metrópole, movê-la-ia a uma ação auxiliadora mais eficaz.

Para satisfazer as tropas que em fevereiro de 1645 tomaram uma atitude ameaçadora, o Alto Conselho mandou pagar em dinheiro aos oficiais e guarnições o soldo e sustento da primeira metade do mês e lhes prometeu pelos 14 dias restantes alguns litros de vinho espanhol ou de aguardente como pagamento do soldo.

Para ocorrer ao aumento das despesas o Alto Conselho tomou aos comerciantes livres adiantamentos sobre o açúcar e pau Brasil embarcados com destino à Holanda. Aos diretores foram enviados os documentos relativos a essas transações de empréstimo mercantil, com o pedido de que fossem reconhecidos esses títulos de bodemeria (câmbio marítimo) e saldados os débitos deles constantes.

Ainda em 1645, quando no começo das agitações os comerciantes livres elevaram as suas taxas de juro para 10%, os senhores do Alto Conselho resolveram a cunhagem de moedas de XII, VI e III florins, lançando para isso mão de um caixote dê ouro que viera da Guiné e destinado a ser reexportado. Desse caixote retiraram 360 marcos de ouro.

Moeda de XII florins de 1645 do Museu Histórico Nacional
Moeda de VI florins de 1645 do Museu Histórico Nacional
Moeda de III florins de 1646 do Museu Histórico Nacional

Foram essas as primeiras moedas cunhadas no Brasil, no Recife, pelo Alto Conselho, em nome da Companhia Privilegiada das índias Ocidentais em 1645, antes do assédio, cabendo-lhes o nome de moedas de necessidade ou de emergência. Foram emitidas com o aumento de 20% sobre as de Holanda para que não saíssem do território da Colônia e pudessem mais tarde ser resgatadas.

Collectgram | 12 Florins (Geoctroyeerde Westindische Compagnie) - Brasil
Informações sobre Moeda [object Object], emitido por Brasil.

Com essa emissão de moedas de ouro, obteve o Governo novo crédito perante os comerciantes livres, com cujo auxílio puderam ser satisfeitas as exigências dos soldados até o fim do ano de 1645.

Collectgram | 6 Florins (Geoctroyeerde Westindische Compagnie) - Brasil
Informações sobre Moeda [object Object], emitido por Brasil.

Foi essa, porém, uma melhoria momentânea, agravando-se novamente a situação financeira com os progressos da insurreição pernambucana, que, num ápice, se assenhoreara do sul de Pernambuco, e pusera cerco ao Recife pelo lado de terra, interrompendo completamente as comunicações da cidade com o interior.

Collectgram | 3 Florins (Geoctroyeerde Westindische Compagnie) - Brasil
Informações sobre Moeda [object Object], emitido por Brasil.

Com a paralisação do comércio da capital sitiada, não sendo mais possível obter dinheiro op bodmerye, recorreu mais uma vez o Alto Conselho ao caixote de ouro da Guiné e o aliviou de mais 359 marcos. Faltando, porém, cadinho em que derreter o metal, o Conselho vendeu o ouro aos comerciantes livres e recolheu aos cofres cerca de 100.000 florins.

Esta soma, como a precedente, em breve se esvaiu com os gastos da administração e da guerra.

Em agosto de 1646 teve o novo Governo — Schoonenborch e os membros do Conselho que com ele vieram para o Recife — de anunciar aos senhores da Companhia que o caixote de ouro ainda uma vez havia sido o recurso de salvação e que, desta feita, 405 marcos haviam sido em parte vendidos e, em parte, remetidos ao moedeiro para nova cunhagem. Ao intendente da Moeda Pieter Janszoon Bass foram confiados 355 marcos para a conversão em ducados simples e dobrados brasileiros, no valor total de 119.569:18 florins. Dessa quantia o moedeiro reclamou para si e seu pessoal a importância de 10.388:3 florins como pagamento do seu trabalho, abatendo essa soma do ouro que lhe fora entregue.

As moedas emitidas em 1645 e 1646 pelos holandeses são de forma quadrangular ou romboide, tendo no anverso em um círculo de pérolas as letras G W C ligadas, e o W a primeira perna cortada pelo G e a última pelo C, iniciais da Companhia Privilegiada das Índias (Geoctroyerd Westindische Compagnie), encimadas pelo valor em algarismos romanos, e no reverso ANNOBRASIL e a data, em três linhas.

Os exemplares descritos por Julius Meili, em sua obra "Das Brasilianische Geldwesen, I Theil, Die Münzen der Colonie Brazilien", tem os seguintes pesos:

XII florins 7,60 g
VI florins 3,30 g
III florins 1,80 g

Os exemplares do Museu Histórico Nacional tem respectivamente os mesmos pesos, com exceção dos III florins, que tem um pouco menos: 1,70 g.

Como se observa, não houve proporção exata no peso dos vários valores lavrados em 1645 e 1646.

Mais tarde, em princípios de 1654, foram batidas moedas de emergência, em prata, dada a situação precária em que se achavam os holandeses.

Há sobre essa emissão um interessante documento histórico:

No próprio dia da assinatura e ratificação e entrega da Cidade do Recife na Campina do Taborda, reunido em sessão o Supremo Conselho, o tesoureiro geral Jacob Alrichs declarou estarem os cofres completamente vasios e que mesmo as menores contas não podiam ser pagas, pelo que foi posto em deliberação se não seria de conveniência fazer cunhar moedas de prata para serem emitidas em semelhantes extremidades, devendo ser mais tarde resgatadas.

À vista disto o general Schoonenborch e o conselheiro Haecx ofereceram para este fim a pouca baixela de prata do seu uso particular, exemplo que por ninguém mais foi seguido.

Entretanto, assentou-se que, para começar, se lançasse mão de 23 libras de prata arranjadas pelo tesoureiro geral, as quais foram entregues a um certo Hendrich Brunsvelt para com elas cunhar peças quadradas, a saber uma de uma onça (8 angels) que correria por dois florins, outra de quatro oitavas (4 angels) por um florim e terceira de duas oitavas (2 angels) por 12 soldos.

Por esse documento, seriam, pois, emitidas as seguintes moedas de prata:

II florins 1 onça
I florim 4 oitavas
XII soldos 2 oitavas

Desses valores, porém, só se conhece a peça menor, de 12 soldos, da qual há um exemplar na coleção Meili, que passou para o Museu de Zurich e ultimamente foi arrematada em leilão em São Paulo. Ignora-se se foram lavrados todos os valores.

São peças cunhadas segundo um sistema duodecimal de valores. O exemplar de XII soldos descrito por Meili é uniface, tendo por tipo as iniciais da Companhia das Índias, encimadas pelo valor XII, e tendo no exergo a data 1654.

Além desse exemplar de 12 soldos da série duodecimal, figuram com a mesma data, em algumas coleções, moedas lavradas segundo um sistema decimal de valores:

XXXX soldos 12,10 gramas
XXX soldos 8,75 gramas
XX soldos 6,50 gramas

Dos quarenta soldos conhecemos três exemplares, um no Museu Histórico Nacional, procedente da coleção Pedro Massena, um da coleção Guilherme Guinle e outro da coleção Meili

XXXX soldos de 1654 do Museu Histórico Nacional - Coleção Pedro Massena

Os exemplares de XXX e XX soldos, citados na obra de Meili, são respectivamente da coleção Ulex de Hamburgo e do Catálogo Calenfels nº 365.

Dos X soldos temos notícia do exemplar de Meili.

As peças dessa série decimal são igualmente unifaces, tendo no anverso dentro de um círculo de pérolas as iniciais da Companhia das Índias Ocidentais, encimadas pelo valor, e no exergo a data 1654. Sobre esta série decimal não conhecemos documentação determinando a sua cunhagem.

As moedas em estudo, principalmente as de prata são, todas elas, como se depreende do que acima dissemos, de grande raridade.

Apareceram ultimamente exemplares falsos, não só dos florins em ouro, como também dos quarenta soldos em prata.

Fonte:
Esse artigo foi originalmente publicado com o título "O meio circulante no Brasil holandês" nos Anais do Museu Histórico Nacional – Imprensa Nacional, Vol. I, 1940, páginas 23 a 30 por Edgar de Araújo Romero, Conservador CL L., Chefe da Seção de Numismática do Museu Histórico, Professor de Numismática do Curso de Museologia.