Os bilhetes da Casa da Administração Geral dos Diamantes

Os Bilhetes da Casa da Administração Geral dos Diamantes do Arraial do Tijuco[1] do Serro Frio da Capitania de Minas Gerais. (1772 a 1845)[2].


© 2015 Marcio R. Sandoval

Figura 1 - Brasão de Armas de Portugal (D. José I – O Reformador, 1750-1777) presente nos bilhetes impressos da Casa da Administração Geral dos Diamantes. Reprodução parcial a partir da obra de Julius Meili (O Meio Circulante no Brasil. Parte III – A Moeda Fiduciária no Brasil 1771-1900. Zurique, Tipografia de Jean Frey, 1903, Estampa 1 – 1*).

Em virtude do Decreto de 12 de julho de 1771 foi substituído o antigo sistema da contratação da extração dos diamantes em hasta pública, que vigorou de 1° de janeiro de 1740 a 31 de dezembro de 1771, pelo da mineração por conta da Real Fazenda, criando-se a Real Extração dos Diamantes.

Pelo Alvará de 2 de agosto de 1771 editou-se uma legislação específica para a região, o denominado Regimento Diamantino[3]. Pouco depois da instalação do novo sistema surgiram, por necessidades práticas, os bilhetes da Casa da Administração Geral dos Diamantes ou simplesmente da Real Extração, que tiveram giro no comércio assumindo funções semelhantes ao papel-moeda.

Remontando às origens desta situação, temos que, além da descoberta do ouro em Minas Gerais, descobriu-se no Serro Frio, em um lugarejo conhecido como Arraial do Tijuco (núcleo inicial da cidade de Diamantina) uma grande lavra de Diamantes. Uma descoberta extraordinária tendo-se em vista que os diamantes até então só haviam sido encontrados em abundância na Índia[4].

Desde 1714 havia notícias do surgimento de diamantes e topázios na região, sendo que o descobrimento oficial deu-se em 1723, chegando a notícia em Portugal apenas em 1727 no reinado de D. João V. O primeiro ato oficial da existência das minas diamantinas é a Carta de 22 de janeiro de 1729 do Governador D. Lourenço de Almeida comunicando a Metrópole a descoberta de diamantes na Comarca do Serro Frio.

Inicialmente a mineração foi aberta a todos (1730 a 1740), após a Coroa Portuguesa passou a arrendar a particulares a exploração, mas resguardando para si o direito exclusivo na compra das gemas (período dos contratos). É neste período que surge o Distrito Diamantino, criado pela Coroa para melhor controlar a extração dos diamantes através de um rigoroso controle.

De 1740 a 1771 foram realizados seis contratos durante os quais foram vendidos, segundo Fortunée Levy[5], citando um documento da Real Biblioteca da Ajuda[6]:

"diamantes os mais excelentes, que no seu brilhar e dureza deixam a perder de vista os do Oriente".

A Coroa achando-se lesada com o sistema de arrendamento a particulares criou um novo sistema à partir de 1771. Assim, com o Decreto de 12 de julho de 1771 criou-se a Real Extração dos Diamantes, um monopólio real de extração que durou até a independência e se prorrogou até 1841, sendo a administração substituída definitivamente em 1845 e extinta em 1853.

Figura 2: "Diamond washing at Curralinho" (Lavra de diamantes em Curralinho, perto de Tijuco) in, Spix, J.P. von and Martius, C.F.Phil von. Travel in Brazil, in the years 1817-1820. London: Longman, Hurst, Rees, Orme, Brown and Green, 1824, Vol. II, p.III).

O sistema estabelecido pelo Decreto de 12 de julho de 1771 e pelo Alvará de 02 de agosto do mesmo ano entrou em vigor a partir de 1/1/1772. Eles não previam a possibilidade de emissão de bilhetes, sendo provável que seu surgimento esteja ligado a questões de ordem prática, quando da escassez de fundos por parte da Administração para saldar suas dívidas[7], esta emitia bilhetes. Quando a Fazenda Real enviava os recursos (moedas), esses bilhetes eram pagos.

As emissões se iniciaram, a que tudo indica, com a implantação do novo sistema, ou seja, a partir de 1772. O bilhete de data mais antiga que conhecemos é de 30 de junho de 1773, pertencente às coleções do Museu Histórico Nacional.

Neste período a produção aurífera não se encontrava mais no auge, verificado por volta de 1750 (estimativa de 15 ton./ano), essa produção havia caído a menos de 5 ton./ano em 1785.

No que tange aos diamantes, o período "áureo" ocorreu durante o período dos contratos e quando foi criada a Real Extração "o mercado europeu achava-se abarrotado de diamantes havendo grande baixa nos preços"[8].

Julius Meili[9] nos informa que até 1776 os Bilhetes da Extração se pagavam com a maior pontualidade, quando apresentados à Administração, razão pela qual adquiriram imenso crédito no giro do comércio. Passados ao portador[10] eram aceitos por toda a Capitania e também fora dela; com eles se pagavam os tributos, entre eles o quinto e os direitos de entrada.

Daquele tempo em diante (1776) houve excessos nas despesas ou mesmo a ausência de fundos para o pagamento dos bilhetes que eram apresentados, culminando pelo seu não pagamento, decorrendo daí sua desvalorização. Começaram a sofrer descontos de 5 a 10%, nos primeiros tempos, sendo que até o ano de 1816, foram gradualmente subindo até 50, 60 e 80%. A Extração foi declinando até extinguir-se definitivamente em 1853.

O Decreto de 24 de setembro de 1845 mandava substituir sua administração. Julius Meili cita várias fontes para o estudo do período, entre elas o livro do alemão W.L Eschwege, Pluto Brasiliensis publicado em Berlim em 1833 e Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio por J. Feliciano dos Santos publicado no Rio de Janeiro em 1868 (ambos com edições posteriores).

Figura 3 - "View of negroes washing for Diamonds at Mandango on the river Jigitonhonha in Cerro do Frio - Brazil" (Vista de negros na lavra de diamantes em Mandango, no Rio Jequitinhonha, em Serro do Frio – Brasil) in, Jonh Mawe. Travels in the Interior of Brazil, particulary in the Gold and Diamond Districts. London: Longman, Hurst, Rees, Orme and Brown, Paternoster-Row, 1812, p. s/n°).

Encontramos uma interessante referência legislativa (Carta) sobre os bilhetes da Real Extração no livro do Capitão S. Sombra, História Monetária do Brasil Colonial, vejamos:

"A Diretoria da Real Extração, em Lisboa, ordena à Junta do Tijuco que suspenda a emissão de novos bilhetes, os quais corriam, em toda a Capitania de Minas, desde 1772, como se moeda fossem. (C. de 23 de outubro de 1776)" (ob.cit. p.232).

Pelo que se depreende do texto acima, os bilhetes da Real Extração corriam como se moeda fossem desde 1772, sem o conhecimento da Diretoria da Real Extração em Lisboa.

Interessante notar que os bilhetes vinham de Lisboa e ainda que em 1776 eles deixaram de ser pagos pontualmente, como vimos. O fato é que eles continuaram a ser emitidos e a carta virou letra morta.

Os bilhetes da real extração

A Administração Geral dos Diamantes emitiu bilhetes, uns impressos e outros manuscritos. Os bilhetes manuscritos[11] seriam os denominados "conhecimentos" emitidos na falta de bilhetes impressos, mas a legislação não menciona sequer os primeiros.

Os bilhetes impressos vinham de Lisboa, encadernados em livros e quando da emissão eram cortados pela tarja linhada que se situava no centro da folha, para posterior confrontação na ocasião do pagamento[12]. Os bilhetes manuscritos eram de confecção local e o único remanescente que temos conhecimento apresenta assinaturas como elemento de segurança.

Figura 4 - Bilhete da Casa da Administração Geral dos Diamantes do Arraial do Tijuco do Serro Frio, no valor de 1502 oitavas, ¾ e dois vinténs de ouro (em torno de 5 quilos e quatrocentos gramas) emitido em 30 de junho de 1773. Dimensão aproximada: 180 mm X 146 mm. Reprodução a partir da obra de Julius Meili (O Meio Circulante no Brasil. Parte III – A Moeda Fiduciária no Brasil 1771-1900. Zurique, Tipografia de Jean Frey, 1903, Estampa 1- 1*). Antiga Coleção Pedro Massena, atualmente incorporada às Coleções do Museu Histórico Nacional. Este bilhete (ao que tudo indica) é o mais antigo representante do Meio Circulante Brasileiro e provavelmente o de maior valor nominal entre os bilhetes da Real Extração ainda existentes.

Descrição dos bilhetes impressos

                                                                                       São.........(1)                            
                             Brasão de Armas de Portugal (2)
            Ficão nesta Casa da Administração Geral dos
Diamantes (3)                                                          de
ouro de conta do Senhor (4)
                                           que lhe pagará, ou a quem ef-
te apresentar. Tejuco (5)                          de 17.....(6)

N°........(7)

                           (Tarja Linhada) (8)

Explicação dos termos:

(1) Nesta parte era manuscrito o valor do bilhete em oitavas[13] de ouro.
(2) Brasão de Armas de Portugal. Armas de D. José – O Reformador, 1750-1777.
(3) O valor por extenso em oitavas de ouro.
(4) O nome do consignado constava nesta parte, mas os bilhetes eram emitidos ao portador conforme se depreende do final do enunciado – "ou a quem este apresentar".
(5) O dia e mês seguido do ano (6). Não conhecemos nenhum bilhete desta espécie emitido após 1779.
(7) O número do bilhete. A que tudo indica a numeração era anual e sequencial, pelo menos até 1777.
(8) A tarja linhada que poderia vir na parte inferior ou superior do bilhete conforme era destacado, servia para a confrontação dos bilhetes com a outra parte dos mesmos que ficavam em poder da Junta, confirmada a legitimidade do bilhete era feito o pagamento. Não temos notícias da existência de bilhetes falsos.

Obs.: Na parte inferior do bilhete vinha a indicação do pagamento, ou seja , que o valor consignado foi pago. Todos os bilhetes estudados contém esta anotação, indicando que foram pagos pela Junta. Encontramos 41 bilhetes deste tipo mais 258, no livro, totalizando 299 bilhetes.

Descrição do bilhete manuscrito[14]

Figura 5 - Bilhete manuscrito da Casa da Administração Geral dos Diamantes do Arraial do Tijuco do Serro Frio, no valor de 6 oitavas e ½ de ouro (apenas 23,30 gramas) emitido em 18 de maio de 1792. Dimensão aproximada: 205 mm X 150 mm. Reprodução a partir da obra de Julius Meili (O Meio Circulante no Brasil. Parte III – A Moeda Fiduciária no Brasil 1771-1900. Zurique, Tipografia de Jean Frey, 1903, Estampa 2 – 2*). Antiga Coleção Pedro Massena, atualmente incorporada às Coleções do Museu Histórico Nacional. Este bilhete (ao que tudo indica) é o mais antigo representante do Meio Circulante Brasileiro impresso no Brasil – o Brasão de Armas foi impresso através de sinete.
"Jornaes do 2. Sem.et.de 1791          (Armas de Portugal – D. Maria I – A Piedosa, 1777-1816)

                                                                                                                       São 6½

Ficão nesta Casa da Admin. ação Geral dos Diam. es Seis oitavas e meia de ouro de Raymundo de Araûjo, que se lhe pagarão, ou a quem este apresentar.    Tejuco 18 de Mayo de 1792.

(Podem ser identificadas quatro assinaturas - ilegíveis quase que na totalidade).

Alguns sobrenomes: Silveira (assinatura central) e Souza (em baixo à esquerda).

N° 87

Pg."

Obs.: Este bilhete além de provavelmente único, foi emitido após 1776 (data em que os bilhetes deixaram de ser pagos com pontualidade) e ainda é o de data mais "recente" entre os conhecidos (1792). Desta forma, existe prova efetiva de circulação destes bilhetes entre o anos de 1773 e 1792 data da emissão deste último.

Na parte superior à esquerda temos: "Jornaes do 2. Sem.et.de 1791”, ao nosso ver, referência ao pagamento de jornadas de trabalho do segundo semestre de 1791.

Notícias sobre as emissões dos bilhetes

Da análise de diversos bilhetes da Real Extração existentes, de diversas fontes, podemos tirar algumas informações interessantes sobre o valor, a forma de numeração e a quantidade emitida, vejamos:

Bilhetes da Real Extração

Emissão Número Valor Consignado Fontes
30/06/1773 N° 531 1502 oitavas ¾ e 2 vinténs Francisco Alz. de Barros Massena - MHN
23/11/1773 N° 791 100 oitavas Manoel Gomes Obidos Internet
25/11/1773 N° 797 48 oitavas ½ e 2 vinténs Manoel ...Neto Internet
9/12/1773 N° 832 75 oitavas ½ Manoel de Oliveira Penna Leilão Itaú
31/12/1773 N° 886 63 oitavas ¾ e 7 vinténs Domingos F. de Oliveira Internet
31/12/1773 N° 901 25 oitavas Bento Manoel de Oliveira WPM
31/12/1733 N° 914 5 oitavas Francisco José de Almeida Internet
31/12/1773 N° 918 94 oitavas ¼ e 6 vinténs José de Moura e Oliveira Internet
4/08/1777 N° 249 14 oitavas e 2 vinténs José ...Pereira.... Internet
4/08/1777 N° 267 38 oitavas ½ e 6 vinténs Manoel José Reis Sampayo Internet
4/08/1777 N° 268 66 oitavas ¾ Domingos Luis dos Reis Internet
4/08/1777 N° 287 9 oitavas José... Internet
4/08/1777 N° 295 90 oitavas Baltazer Gonçalves... Ebay
4/08/1777 N° 303 50 oitavas e 2 vinténs Manoel ...Rocha Ebay
4/08/1777 N° 305 76 oitavas ¾ e 4 vinténs Manoel José Machado Ebay
5/08/1777 N° 318 50 oitavas D. Maria da Conceipção Internet
5/08/1777 N° 319 18 oitavas ¾ e 6 vinténs D. Maria da Conceipção Internet
5/08/1777 N° 328 5 oitavas ¼ e 4 vinténs Acácio de Araujo Ferreira Internet
5/08/1777 N° 343 100 oitavas Miguel Ferreira ... Ebay
5/08/1777 N° 351 24 oitavas Manoel Antonio de Aguiar Ebay
5/08/1777 N° 356 100 oitavas Manoel Antonio Salgado Internet
6/08/1777 N° 365 3 oitavas D. Anna da Encarnação Ebay
6/08/1777 N° 387 120 oitavas Cap. Jozé da Costa... Internet
7/08/1777 N° 402 296 oitavas ¼ e 3 vinténs João Machado Penna Ebay
7/08/1777 N° 405 131 oitavas e 3 vinténs João Machado Penna Internet
7/08/1777 N° 417 10 oitavas ...José Caetano Reis Ebay
7/08/1777 N° 419 16 oitavas ¼ ...José Caetano Reis Ebay
3/08/1778 N° 250 88 oitavas ¼ e 2 vinténs Francisco José Pereira BC
4/08/1778 N° 324 86 oitavas ¼ e 4 vinténs Jerônimo Luis da Cunha Icon.
5/08/1778 N° 372 27 oitavas ¼ e 2 vinténs José Francisco Guimarães Internet
5/08/1778 N° 375 40 oitavas Manoel Caetano Ferreira BC
20/02/1778 a 05/03/1778 N° 2115 a N° 2696 (livro 258 bilhetes) M.D
25/02/1778 N° 2544 50 oitavas João Correia... M.D
25/02/1778 N° ? 20 oitavas José Francisco Dias M.D
25/02/1778 N° 2558 40 oitavas Francisco José de Carvalho Valadares M.D
25/02/1778 N° 2559 20 oitavas Francisco José de Carvalho Valadares M.D
26/02/1778 N° 2600 8 oitavas ...João... M.D.
26/02/1778 N° 2601 40 oitavas ...João... M.D.
19/02/1779 N° 2066 100 oitavas D. Anna Joaquina Roza Internet
20/02/1779 N° 2101 7 oitavas D. Anna …. MHN
22/02/1779 N° 2158 120 oitavas José ... Valle MHN
18/05/1792 N° 87? 6 oitavas ½ Raymundo de Araujo Massena - MHN

Abreviações: MHN (Museu Histórico Nacional); WPM (World Paper Money); BC (Museu de Valores do Banco Central) e MD (Museu do Diamante – Diamantina/MG).

No que tange ao valor dos bilhetes podemos constatar a existência de um único bilhete acima da média (entre 20 a 100 oitavas); é o bilhete de data mais antiga que conhecemos (30/06/1773), como já tivemos a oportunidade de mencionar.

Este bilhete (Figura 4) pertencia à antiga Coleção Pedro Massena de Barbacena/MG e foi reproduzido na obra de Julius Meili, A Moeda Fiduciária no Brasil de 1903, e hoje pertence à Coleção do Museu Histórico Nacional. Este bilhete correspondia aproximadamente a 5 quilos e quatrocentos gramas de ouro.

O de menor valor que encontramos é o de 3 oitavas (1777), correspondente a 10,75 gramas de ouro.

Entre o primeiro bilhete e o oitavo (todos de 1773) considerando-se a numeração sequencial, por hipótese que nos parece a mais sensata, teríamos a emissão num período de 6 meses - de final de junho a dezembro, de 387 bilhetes.

Prosseguindo nesta análise podemos notar que entre o bilhete n° 832 de 09/12/1773 e o do dia 31/12/1773, temos 22 dias e a emissão de 86 bilhetes, sendo que a média mensal (nesta época) calculada nos 6 meses, seria em torno de 60 bilhetes.

A realidade é bem outra se analisarmos os bilhetes do ano de 1778, constante no talonário existente no Museu do Diamante de Diamantina. Em um período de 14 dias (20/02/1778 a 05/03/1778) foram emitidos nada menos do que 581 bilhetes (restam no livro 258 bilhetes). Em seis meses neste ritmo teríamos cerca de 7470 bilhetes, uma quantidade muitas vezes superior aos primeiros anos.

Alguns bilhetes do ano de 1778 e os de 1779 apresentam a numeração acima dos três dígitos sem que saibamos o motivo.

Figura 6 – Talonário dos bilhetes da Real Extração com o "canhoto" dos bilhetes do período de 20/02/1778 a 05/03/1778 (bilhetes N° 2115 a N° 2696). Restam neste talonário 258 bilhetes dos 531 que provavelmente existiam, considerando-se a emissão sequencial. O objetivo da conservação do talonário era a confrontação com os bilhetes emitidos para a verificação da autenticidade. (Museu do Diamante – Diamantina/MG)

Das assinaturas e do formato dos bilhetes

Fato curioso é a completa ausência de assinaturas em todos os bilhetes impressos. Já no bilhete manuscrito temos quatro, como anteriormente descrito. O formato dos bilhetes é irregular já que eram cortados pela tarja linhada que servia de ponto de confrontação nos talonários para a verificação da autenticidade.

A Iconografia do Meio Circulante, obra realizada pelo Banco Central em 1972, traz a reprodução de um destes bilhetes em tamanho próximo ao original – 175 mm X 140 mm (bilhete impresso) que acreditamos estar perto da realidade.

Em relação ao bilhete manuscrito temos apenas uma referência na matéria de Fortunée Levy (antiga Conservadora do Museu Histórico Nacional), teria assim, cerca de 205 mm X 105 mm.

O "specimen" dos bilhetes impressos (Figura 9) foi apresentado como possuindo 11-3/4" x 7-3/4", ou seja, 298,4500 mm X 196,8500 mm. Esta seria a medida da folha inteira sem o destaque e corte pela tarja linhada.

O método de impressão dos bilhetes

Sobre o método de impressão, Violo Idolo Lissa[15], afirma que os bilhetes impressos eram fabricados em Lisboa pelo método da litografia, tinta preta sobre papel branco.

Estas informações, no entanto, não podem ser confirmadas tendo-se em vista que o processo litográfico foi inventado entre os anos de 1796 e 1799, pelo tcheco de origem austríaca Alois Senefelder (1771-1834) e os bilhetes em análise foram emitidos entre 1772 e 1779, portanto, bem antes da invenção da litografia. A litografia chegaria a Portugal somente em 1824 e no Brasil em 1818, introduzida por um francês.

O método que poderia ter sido utilizado neste caso é o da gravura em metal para o brasão de armas e a tipografia para as letras[16]. A chapa de metal gravada deixa o papel ligeiramente sensível ao tato (como as atuais cédulas) o que não ocorre com a impressão litográfica em que o papel permanece liso.

Em relação ao bilhete manuscrito, Lissa informa que somente foi impresso um medalhão com as Armas portuguesas, na parte superior central, sobre papel branco e todo o texto manuscrito. Fortunée Levy nos informa que o Brasão de Armas foi impresso por meio de um sinete (carimbo), a irregularidade de impressão parece corroborar neste sentido.

Brasões diferenciados, mas uma gravação em uma única placa

Brasão de armas português

Figura 07
Figura 08

Brasão de Armas Português - parte superior dos bilhetes da Real Extração. Em relação às Armas Portuguesas (bilhetes impressos) pode-se notar a existência de dois tipos de todas as espécies analisadas (Figuras 7 e 8). Existem pequenas diferenças nas coroas, na posição dos castelos, no brasão e nos ornamentos. Em primeira análise acreditávamos em chapas de impressão distintas.

Todavia, um raro "Specimen" encontrado em um leilão veio dissipar as dúvidas. Como pode ser observado na Figura 9, os bilhetes vinham impressos em uma única folha e na ocasião da emissão eram cortados pela tarja linhada para posterior confrontação na ocasião do pagamento, como havíamos afirmado anteriormente.

O fato é que existem as diferenças apontadas no brasão, eis que a gravação manual torna difícil ou mesmo impossibilita uma cópia idêntica, como é possível hoje através de equipamentos modernos.

Figura 9 - "Specimen" (cancelado – sem efeito) dos bilhetes da Real Extração de 1777 (11-3/4" x 7-3/4 (298,4500 mm X 196,8500 mm). (in, NumisBids Coin Actions[17]). O Brasão de armas que encontra-se na parte superior da folha é diferente do que se encontra na parte inferior.

A presença de marca d água ou filigrana no papel

Tínhamos notícias sobre a ocorrência de marca d água em alguns bilhetes da Real Extração o que nos levou a pensar na existência de falsificações no caso da não presença deste elemento de segurança. Ledo engano.

Alguns bilhetes apresentam marca d água fato em geral não mencionado por aqueles que se dedicaram ao tema. Tivemos a informação que dos 25 bilhetes que se encontram no Museu Histórico Nacional[18], 11 deles apresentam marca d água. Não estando presente em todos os bilhetes e nem sendo de fácil identificação este aspecto foi deixado de lado nas obras que tivemos acesso.

Do Museu de Valores do Banco Central obtivemos a seguinte informação:

"Quanto a marca d'água, apenas uma das peças apresenta este elemento de segurança com a figura de uma coroa. A posição em que a marca d`água encontra-se – porção inferior do papel, sem proporcionalidade de posição com a impressão – e a aparência idêntica do papel em todas as peças, leva-nos a acreditar que os documentos em questão foram impressos em papel que carrega marca d`água, mas, sem uma correspondência com as características de tamanho e/ou de local de corte dos bilhetes, o que faria com que algumas peças tragam marca d'água – em qualquer lugar – e outras não."
— Jorge Augusto Matsunaga Sasaki, analista do Departamento de Educação Financeira do Banco Central).

Acreditamos que esta versão gentilmente realizada pelo analista do Banco Central é a mais próxima da realidade, ou seja, o papel filigranado (com a figura de uma coroa) foi utilizado na confecção dos bilhetes, mas este não aparece necessariamente em todos os bilhetes eis que de localização aleatória.

Notícias sobre a circulação dos bilhetes

Julius Meili transcreve uma carta pertencente à antiga coleção Pedro Massena que diz respeito à circulação dos bilhetes da Real Extração, vejamos:

Sñr João Rodrigues de Macedo.

Leva Franco da Rocha nove sentas e quatro oitavas e tres quartos em bts da R! Extração que pertencem a cobrança do Contrato das Entradas, aonde se deve acreditar, e são todos quantos avia em caza, pela dificuld.e q cada vez experimto nas cobranças, q na verd.e me emvergonho de lhe fazer simelhantes remeças. Em barra ou em Ouro, he couza q por aqui não hâ.

Sinto no meu coração não poder a vmce ajudalo nas suas afliçoens como devo.

Dezejo-lhe saude e mtas felicid.es a pessoa de vmce q Ds ge m a

Tejuco 1° de Janro de 1784.

De vm.ce

Amo e C

(assignado) João Carnro

[19](grifo nosso)

Temos notícia que em 1814 estes bilhetes deveriam ser recebidos nos pagamentos a Real Fazenda, segundo o termo a respeito dos bilhetes da Real Extração Diamantina datado de 30 de março de 1814, fls. 71v. (in Angelo Alves Carrara. A Real Fazenda de Minas Gerais guia de pesquisa da Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Juiz de Fora: Clio Edições Eletrônicas, Volume 3 – Correspondência ativa e passiva da Junta da Real Fazenda de Minas Gerais, 1766-1832), 2010, p.20).

Em 1816[20] ordena-se o pagamento de todas as despesas da Extração, duas vezes ao ano, não se permitindo a emissão de bilhetes de qualquer natureza. Mas as emissões continuam eis que os recursos chegam sempre com atraso.

Destes bilhetes ainda faz menção o relatório do Ministério da Fazenda para o ano de 1828, vejamos:

"Da Despesa Extraordinária do 1° semestre do ano de 1828.
(...)
Bilhetes da Extração Diamantina do Tejuco remetidos pela Junta da Fazenda de Minas Gerais para o pagamento do subsídio de seus Deputados à Assembléia Legislativa, que se dão em despesa por não correrem nesta Corte. 61.577$537" (p.18).

Com a Independência e provavelmente por causa da depreciação passaram a encontrar obstáculos na circulação perante o Governo Imperial ficando restritos a Minas Gerais.

O catálogo World Paper Money considerou como período de circulação destes bilhetes os anos de 1771 e 1792 e curiosamente classifica apenas os bilhetes impressos - P.A101, não mencionado a existência dos bilhetes manuscritos que justificariam a última data apontada.

Ao que tudo indica estes bilhetes teriam circulado a partir de 1° de janeiro de 1772 apesar do mais antigo exemplar conhecido datar de 30 de junho de 1773.

Em relação data de "recolhimento", ou da perda de valor destes bilhetes, poderíamos estabelecer o ano de 1841 (ano da extinção da extração) ou 1845, data da substituição da administração, no entanto, não encontramos dados para confirmar esta tese.

A emissão dos bilhetes é comprovada efetivamente até o ano de 1792 (bilhete manuscrito de n° 87, reproduzido na obra de Meili), outro indicativo desta circulação é a menção no Relatório do Ministério da Fazenda para o ano de 1828, informando que aqueles bilhetes não corriam na Corte, dando a entender que circulavam na Província de Minas Gerais.

Temos aqui duas datas, a de 1792 pelo bilhete manuscrito e a de 1828 pelo Relatório Ministerial. Sabemos, assim, que estes bilhetes tiveram validade até 1828 pelo menos, mas não podemos afirmar que ainda estavam em circulação até 1841 ou 1845 ou mesmo posteriormente, nos faltam dados.

Da natureza dos bilhetes

A maioria dos autores não define com exatidão a natureza destes bilhetes. Julius Meili[21] informa que tratam-se de "Papel Moeda para a Capitania de Minas Gerais - 1771/1841."., e nada diz sobre como a Administração utilizava estes bilhetes. Os bilhetes eram expressos em oitavas de ouro e não em réis, como vimos.

Daí surge a questão, eles serviam para a compra dos diamantes? De ouro? Ou ainda, vice-versa? Meili não dá esta resposta. Lissa ao mencionar estes bilhetes informa que os mesmos serviam para o recolhimento do ouro, conforme o Regimento de 2 de agosto de 1771.

Os bilhetes serviam para o pagamento das despesas da Real Extração e notadamente para o pagamento da mão de obra[22]. Não eram utilizados para a compra dos diamantes eis que a partir de 1772 a extração passou a ser monopólio da Coroa, assim, não fazendo nenhum sentido em comprar aquilo que ela mesma possuía. Quanto ao ouro existia o imposto do quinto.

Estes bilhetes adquiriram imenso crédito no giro do comércio, como vimos, e a partir de 1776 deixaram de ser pagos pontualmente.

Até 1776 temos a figura da moeda-papel eis que, embora fiduciária, representava uma equivalência metálica, podendo ser trocado por metais preciosos até aquela data. Depois, passa a circular como papel-moeda, dependendo do Governo a fixação do recolhimento.

Assim, trata-se da primeira experiência[23] na utilização da moeda fiduciária no Brasil.

Bibliografia

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Nota: A edição princeps data de 1711 e foi impressa em Lisboa na Oficina Real Deslandesiana, existe um exemplar na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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MEILI, Julius. O Meio Circulante no Brasil. Parte III - A Moeda Fiduciária no Brasil 1771-1900, Zurique, Tipografia de Jean de Frey, 1903.

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VIEIRA DO AMARAL, José Vinicius. Catálogo J. Vinicius de Cédulas do Brasil (Cédulas do Brasil de 1773 á 1980), 1ª edição, 1981

Agradecimentos especiais a Jorge Augusto Matsunaga Sasaki, analista do Departamento de Educação Financeira do Banco Central do Brasil/Museu de Valores; a José Luiz Pinto Filho, chefe de serviço do Museu do Diamante de Diamantina/MG e a Paula Jesus Aranha, museóloga do Museu Histórico Nacional.

[1] Palavra de origem tupi que significa "lama" (local lamacento, pantanoso), nos bilhetes da Real Extração foi grafada com "e", ou seja, "Tejuco", forma esta também largamente utilizada.

[2] As datas marcam apenas os limites extremos do período desta administração e não necessariamente o de circulação dos bilhetes.

[3] Também conhecido como o "Livro da Capa Verde", porque chegou ao Distrito Diamantino encadernado em marroquim verde.

[4] As primeiras notícias sobre descobertas de diamantes no Brasil, segundo a historiadora Junia Ferreira Furtado, remontam a segunda metade do século XVI - Expedições de Fernandes Tourinho (1572), Antonio Dias (1574) e Marcos de Azevedo (1596).

[5] Antiga conservadora do Museu Histórico Nacional.

[6] Descrição Geográfica, Topográfica, Histórica e Política da Capitania de Minas Gerais, 1781 (in, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LXXI, Parte I, 1908, p.117-197, 1909.

[7] Principalmente no referente ao aluguel dos escravos.

[8] LEVY, Fortunée. A Circulação da Moeda Fiduciária no Distrito Diamantino – Bilhetes da Extração. Rio de Janeiro: Anais do Museu Histórico Nacional, Imprensa Nacional, Vol.II, 1941, p. 273.

[9] O Meio Circulante no Brasil, Parte III - A Moeda Fiduciária no Brasil, Tipografia Jean de Frey, Zurique, 1903, p.3.

[10] Constava nos bilhetes que os mesmo deveriam ser pagos ao credor ou ao portador, vejamos: "...de conta do Senhor ...que se lhe pagará, ou a quem este apresentar."

[11] A nosso ver.

[12] Para a verificação da autenticidade.

[13] Antiga unidade monetária que correspondia à oitava parte da onça ou 3,586 g, equivalente a 1.200 réis.

[14] Conhecemos apenas um bilhete deste gênero que foi reproduzido por Julius Meili (n° 2*), pertencente a Antiga Coleção Pedro Massena, atualmente incorporada às Coleções do Museu Histórico Nacional. A que tudo indica, este bilhete é o mais antigo dentre os que foram impressos no Brasil. No caso foi apenas impresso o brasão de armas de D. Maria I (1777-1816) e o restante manuscrito.

[15] Catálogo do Papel Moeda do Brasil, Gráfica Brasiliana, 3 edição, Brasília, 1987, p. 41.

[16] Aqui se trata de uma opinião do autor, que, todavia não é especialista no assunto.

[17] https://www.numisbids.com/n.php?p=lot&sid=888&lot=973.

[18] Informação gentilmente prestada pela museóloga do MHN Paula Moura Aranha.

[19] Ob. cit. p. 4

[20] LEVY, Fortunée. Ob.cit. p.278.

[21] O Meio Circulante no Brasil, Parte III - A Moeda Fiduciária no Brasil, Tipografia Jean de Frey, Zurique, 1903, p.3.

[22] Aluguel dos escravos.

[23] Deixando de lado as ordens de pagamento e as ordenanças no Brasil Holandês.

Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: marciosandoval@hotmail.com
Blog: http://sterlingnumismatic.blogspot.com

Publicado originalmente no Boletim da Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina (AFSC) n° 70, de novembro de 2015, p.4-19.

© 2015 Marcio R. Sandoval


Foto de capa: Imagem gentilmente cedida por Vagner Silva Costa.