Sendo uma iniciativa análoga à galeria de pintura criada por D. Luís I no Palácio da Ajuda, em 1867, o Museu de Antiguidades conservou e expôs o essencial das coleções de Numismática e ourivesaria daquele monarca, acrescidas com diversas peças pertencentes ao tesouro da Casa Real, parte das quais provenientes dos conventos extintos pelo Liberalismo.

Nas palavras de Vilhena Barbosa, alguns destes objetos:

"foram encorporados nos bens da coroa para uso dos soberanos, em troca, ou como indemnisação das numerosas e mui valiosas peças de prata da casa real, que por ordem de sua magestade imperial D. Pedro IV, duque de Bragança, regente do reino, foram levadas para a casa da moeda, em Lisboa, onde foram reduzidas a dinheiro cunhado nos fins do anno de 1834 para acudir ás immensas e urgentíssimas despezas da guerra da restauração da liberdade e do throno da sr.ª D. Maria II".
S.M. El-Rei D. Luís I - O Rei Numismata

Hoje aquele acervo encontra-se disperso por diferentes instituições museológicas, coleções particulares ou em paradeiro incerto, sendo merecida a reconstituição da apagada memória do espaço que o albergou, o papel desempenhado pelo seu conservador, Teixeira de Aragão (Augusto Carlos Teixeira de Aragão (1823-1903)), as aquisições efetuadas, os catálogos editados, a cedência de peças para exposições nacionais e internacionais e a atenção dada por D. Luís aos novos processos fotográficos como forma de documentar e divulgar a coleção real.

Entre as iniciativas de caráter cultural empreendidas, logo no início do seu reinado, por D. Luís (1838-1889), precocemente e inesperadamente subido ao trono aos 23 anos de idade, em 1861, destaca-se a criação de uma galeria de pintura no Palácio da Ajuda, então escolhido para residência oficial. D. Luís lança-se na organização de uma pinacoteca real, influenciado talvez pelos equipamentos congêneres visitados durante as suas viagens ao estrangeiro.

A construção da galeria, ou melhor, a adaptação para o efeito de uma enorme sala da ala norte do palácio teve o seu início em 1866 e foi entregue ao engenheiro José António de Abreu que a dotou de modernas soluções museográficas, tais como longos varões metálicos junto à cimalha destinados à suspensão das obras, guardas com balaústres em metal para evitar uma aproximação excessiva às mesmas, e iluminação zenital através de grandes superfícies envidraçadas rasgadas no tecto.

Consciente do pouco que as modestas pinturas conservadas nos palácios reais tinham para oferecer, D. Luís deu início a um importante movimento de aquisições que atingiu o seu ponto mais significativo entre 1865 e 1867.

Ao pintor Marciano Henriques da Silva, que administrava lições de pintura ao monarca foi dada carta branca para efetuar diversas aquisições, tendo sido igualmente incumbido de proceder à organização do acervo e inauguração da pinacoteca, ocorrida a 6 de Outubro de 1867, assinalando o 20.º aniversário de D. Maria Pia.

Editado por ocasião da sua abertura ao público, ocorrida dois anos depois, o primeiro catálogo da galeria apresenta o resultado desse esforço aquisitivo, continuado nos anos subsequentes, embora com menor fôlego, motivando uma nova edição, em 1872.

Palácio da Ajuda em 1867. Prova em albumina de Rocchini, no álbum sobre Lisboa e Sintra, in Biblioteca Nacional de Portugal

O período compreendido entre a inauguração da galeria (1867) e a sua abertura ao público (1869) será marcado pela criação de um novo núcleo museológico que se irá articular com aquele equipamento e destinado a expor a que aparece por vezes designada de "Collecção archeologica da Ajuda".

Note-se que o termo arqueologia refere-se aqui aos testemunhos materiais móveis das sociedades antigas, circunscrevendo-se essencialmente aos objetos executados com metais nobres.

Sempre atento a tudo o que dizia respeito à família real, O Diário de Notícias especificava tratar-se de um "museu de antiguidades", para o qual D. Luís mandara preparar uma sala "no pavimento nobre, próxima à galeria de pintura e à capela" informava em Novembro de 1867.

O mesmo jornal advertia:

"n'aquele trabalho há que conciliar a segurança com a elegância, pois alli vão ser depositados os mais valiosos objectos do thesouro da casa real”, tendo sido “encarregado de os collocar e organizar o Sr. Dr. Aragão”.

A Augusto Carlos Teixeira de Aragão (1823-1903), distinto cirurgião militar, investigador e colecionador, com interesses centrados na numismática, havia sido meses antes confiada a tarefa de levar aqueles e outros objetos à Exposição Universal de Paris, onde figuraram com assinalável sucesso como nos dão conta os Rapports du jury international, entidade que conferiu a essa participação uma Médaille d'or. Tal reconhecimento terá certamente encorajado o monarca a promover a apresentação dos mesmos junto à sua galeria de pintura.

A iniciativa museológica de D. Luís não poderá deixar de ser também associada à coleção que o marquês de Sousa Holstein, vice-inspector da Academia das Belas Artes de Lisboa, começou a organizar numa sala próxima à futura Galeria Nacional de Pintura, em finais de 1866, com diversas alfaias provenientes da Casa da Moeda, onde permaneciam entesouradas desde há décadas.

Congratulando-se com o gesto do vice-inspector, o Diário de Notícias comentava, logo em 66, ser "possível que a apparição de taes objectos, collocados em boa ordem e onde possam ser devidamente analysados, desperte o louvável desejo de se cuidar seriamente em se organizar um museu de antiguidades, coisa que ainda não possuímos". D. Luís contribuiu assim para colmatar tal lacuna, reunindo numa sala e patenteando ao público muitos dos preciosos objetos da Casa Real e das suas coleções pessoais.

Um dos objetivos da cuidadosa educação pretendida para seus filhos por D. Maria II e D. Fernando, levada a cabo por diversos mestres, escolhidos entre os melhores ao tempo, foi desenvolver nos príncipes o gosto pelo colecionismo, complementando o estudo que faziam das outras ciências.

O hábito de colecionar encontrava-se então bastante enraizado entre os jovens aristocratas europeus, apesar de em algumas famílias ou contextos nacionais aquela prática ser mais seguida que noutros.

Portugal não constituía certamente o melhor exemplo nesse domínio, o que levou D. Fernando, reputado colecionador, a encorajar os filhos na prática de coligir e classificar objetos, seguindo as tradições familiares dos Saxe-Coburgo.

É nesse contexto que devemos situar o interesse de D. Luís pela numismática, um dos vetores mais eruditos do colecionismo pelo seu perfil eminentemente científico.

A par da já existente coleção da Casa Real, começou a reunir um conjunto apreciável de moedas e, em 1855, aos 17 anos, organiza um catálogo manuscrito dedicado ao seu sub-inspector de estudos, "Catálogo das medalhas e dinheiros antigos e modernos oferecido ao meu amigo Manuel Moreira Coelho", onde descreve 105 moedas portuguesas de diferentes reinados, a que acrescenta uma listagem de 15 moedas estrangeiras.

Esse interesse perdurou pela idade adulta e conheceu o seu ponto alto com a compra da importante coleção de Teixeira de Aragão, pacientemente reunida um pouco por todo o país desde a década de 1850.

A convite do monarca, Aragão catalogou e expôs uma qualificada seleção da mesma na secção portuguesa de "História do Trabalho" da Exposição Universal de Paris, em 1867, com elogiosas referências na imprensa nacional e internacional.

O correspondente do Diário de Notícias naquela capital, fazia saber que a:

"collecção de moedas de el-rei enviadas à exposição tem merecido especial estudo pedindo-se o desenho de algumas inéditas para serem publicadas”.

Elogiava, em particular, "o methodo e a ordem por que estão collecionadas" de maneira contarem a "historia metalica do nosso paiz, desde os Celtas, Phenicios, Romanos, dominação Goda e Arabe e, por ultimo, as dos nossos reis desde o senhor D. Affonso Henriques até hoje".

Dr. Augusto Carlos Teixeira de Aragão (1823-1903): Numismata Português

Informava ainda o mesmo correspondente ter sido Teixeira de Aragão nomeado membro da Sociedade Francesa de Numismática, presidida pelo visconde de Ponton d’Amécourt que, durante um jantar da sociedade, e na presença de Aragão, "levantou um brinde a sua magestade el-rei o senhor D. Luiz de Portugal, como soberano amador e cultivador da numismática, sendo acolhido pela assembleia com enthusiasticos applausos".

Na sequência destes acontecimentos, seria o monarca português nomeado presidente honorário da mesma sociedade.

Em Junho daquele ano, D. Luís empossava oficialmente Aragão, "conservador do meu gabinete numismático com o vencimento de vinte mil reis por mez", destacando-se o erudito conservador por estudar aprofundadamente a coleção, sobretudo no que diz respeito à sua área de especialidade, a numismática, com alguns títulos que até meados do último século constituíram uma referência nesse domínio.

O "gabinete numismático", designação correntemente empregue para designar aquele núcleo museológico, muito embora, este não se cingisse apenas a moedas e medalhas, começou então a ser organizado pelo seu conservador, com especiais cuidados na acomodação dos numerosos espécimes, levando-o a solicitar ao bibliotecário real, Alexandre Herculano, a transferência "para o dito gabinete das estantes dessa real biblioteca que em tempo serviram para arrecadação das moedas antigas".

Pertencente à Coroa, esse núcleo de moedas foi também, segundo temos notícia, parcialmente exposto no gabinete, mas em local específico para não se confundir com a coleção adquirida a Aragão que era propriedade pessoal do monarca.

O pedido das estantes é efetuado em 1869 e menos de um mês depois, o Diário de Notícias fazia notar ser "brevemente exposto ao público por ordem de el-rei o sr. D. Luiz o importante gabinete de numismática que sua magestade possue no paço da Ajuda".

Ao que tudo indica, e nesta fase inicial, o horário seria o idêntico ao da galeria de pintura – domingos das 10h às 16h – ficando os restantes dias da semana reservados à família real e aos seus convidados.

O enriquecimento da coleção não foi negligenciado, tendo Aragão procedido desde logo a novas incorporações, no intuito de colmatar possíveis lacunas.

Em 1872, declarava ter recebido do tesoureiro da Casa Real a quantia de 24 mil réis, "conta das moedas antigas que comprei para o gabinete real por ordem de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz", num total de 10 espécimes em ouro e prata, de diferentes períodos, cunhados na Península Ibérica, África e Brasil.

O mesmo documento informa-nos terem sido adquiridos junto de ourives, avaliadores e cambistas da Baixa de Lisboa, mostrando ainda não existirem entre nós negociantes especializados nesse domínio.

Tendo tido oportunidade de visitar o Palácio da Ajuda durante a sua viagem a Portugal, em 1874, Fernando Modesto y Gonzales mostrar-se-á impressionado com o gabinete, constituído ao tempo por 2.653 moedas "clasificadas con esmero y presentadas en forma", informando ter D. Luís, "completa su colección monetaria de la época de Alfonso V, habiendo comprado por 40 libras esterlinas la única moneda de oro que le faltaba".

"Caza da Moeda" de Lisboa, na Rua de S. Paulo, em 1891. Gravura de Cazellas - Arnaldo da Fonseca

O monarca não deixou de fazer pessoalmente algumas aquisições, como revela um oficio dirigido ao vedor da Casa Real, relatando que, "por occasião da ultima visita que Se dignou fazer à Casa da Moeda e Papel Sellado, escolheu n’esta Repartição para o Seu gabinete numismático algumas moedas e medalhas", cujo pagamento, parcialmente efetuado, importava então concluir.

A coleção de numismática viu-se ainda acrescida com a generosidade de grandes e pequenos colecionadores, como o conselheiro Moraes Carneiro que legou ao rei algumas moedas e medalhas em ouro, prata e cobre, ou o cônsul de Portugal no México que lhe remeteu um apreciável conjunto de moedas oriundas daquela antiga colônia espanhola, "algumas mui raras e escassas", como indica na listagem elaborada para acompanhar a remessa. Tão invulgar como representativo foi o donativo do nosso cônsul no reino do Sião, Marques Pereira, com 813 moedas siamesas, catalogadas pelo próprio em 1879.

Admirador do progresso técnico como tantos homens cultos da segunda metade do século XIX, D. Luís não deixou de o fazer associar às suas coleções artísticas, mandando registar, através da fotografia, parte importante das peças que as constituíam, num gesto ainda pouco comum entre os colecionadores da época.

Em 1868, noticiava-se ter o monarca ordenado que se "tirassem photographias das riquíssimas peças da baixella da casa real que foram á exposição de Paris. Para tal fim tem ido estes dias o distincto photographo da casa real o sr. Gomes, ao jardim de Belém, onde sua majestade algumas vezes tem assistido aos processos photographicos".

Imbuído de preocupações decorativas, logo após a sua subida ao trono (1889), D. Carlos fez transitar para o Palácio de Vila Viçosa, parte significativa do acervo de ourivesaria sacra e civil conservado na Ajuda, contrariando um desejo expresso pelo pai num testamento redigido em 1869.

As peças mais relevantes continuarão todavia a ser cedidas para figurar em exposições temporárias, como foi o caso da Exposição de Arte Sacra Ornamental, promovida em 1895 pela Comissão do Centenário de Santo António de Lisboa, e de onde resultou um notável Catálogo da Sala de Sua Majestade El-Rei, elaborado pelo bibliotecário real, Ramalho Ortigão.

Circunscrito à coleção numismática e a pouco mais, o gabinete real, espaço que tanto se distinguiu por cumprir funções inerentes à atual prática museológica – sobretudo no que diz respeito à investigação, incorporação, documentação, exposição e divulgação – conhecerá a partir de então o seu fim.

Em 1899, um representante de Teixeira de Aragão entrega na Administração da Fazenda da Casa Real o núcleo de moedas e medalhas da Coroa que D. Luís havia feito depositar no gabinete, junto à sua coleção pessoal.

Com a implantação da República, assiste-se a uma nova dispersão das moedas e restantes objetos lá conservados, disseminados por onde se julgou mais adequado.

Aquela que no início do século XX era considerada "a primeira e mais completa collecção numismática de Portugal", seria dividida entre a Casa da Moeda de Lisboa e o Paço Ducal de Vila Viçosa, encontrando-se hoje menos acessível ao público do que ao tempo de D. Luís.

Fonte:
Artigo estruturado na forma de história por DMoura a partir de pesquisas e vários artigos soltos, nomeadamente de Hugo Xavier, publicado originalmente no Fórum de Numismática no dia 21 de outubro de 2011.