Lei 59 de 1833 - Reorganização do sistema monetário do Brasil Independente

Lei nº 59 de 8 de outubro de 1833: Fixa o novo padrão monetario; estabelece um Banco de Circulação e deposito; autoriza o Governo a celebrar com particulares ou companhias contractos para a mineração dos terrenos da Nação; altera o imposto do sello e crêa a taxa annual dos escravos.

A Regencia Permanente, em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do imperio que a Assembléa Geral decretou, e Ella sanccionou a lei seguinte:

Art. 1º Na receita e despeza das estações publicas entrarão o ouro e a prata em barras, ou em moedas nacionaes ou estrangeiras, a dous mil e quinhentos réis por oitava de ouro de vinte e dous quilates.

Art. 2º As moedas de meia onça de ouro continuarão a ser cunhadas, sem que nellas se imprima o valor nominal.

Art. 3º Estabelecer-se-ha na Cidade do Rio de Janeiro um Banco de circulação, e de deposito, com a denominação de Banco do Brasil, o qual existirá por espaço de vinte annos contados do começo de suas operações.

Art. 4º O seu capital poderá ser elevado até 20.000:000$000, divididos em acções de 100$000, que serão pagas em metaes preciosos na fórma fixada no art. 1º.

Art. 5º O Governo será accionista de quarenta mil acções, cujo pagamento se realizará em prazo indefinido com os fundos seguintes:

§ 1º Os capitaes pertencentes à Fazenda Nacional ora existentes nos cofres do extincto Banco.

§ 2º O producto dos impostos estabelecidos pelo Alvará de 20 de Outubro de 1812.

§ 3º O producto dos contractos, que por esta Lei o Governo fica autorizado a celebrar com individuos, ou companhias nacionaes, ou estrangeiras, para a mineração dos terrenos da Nação em todas as Provincias do Imperio, exceptuados os diamantinos do Serro Frio.

§ 4º O producto do imposto do sello, que fica por esta Lei extensivo a todos os papeis e documentos constantes da tabella junta.

§ 5º O producto da taxa annual de 2$000 paga pelos habitantes das Cidades e Villas em razão de cada escravo nellas possuidos, além do numero de dous sendo solteiros os proprietarios, e de quatro sendo casados. Exceptuam-se os escravos menores de doze annos e maiores de sessenta.

Art. 6º Será livre a qualquer individuo, ou companhia, subscrever até duas mil acções, e não mais. Os pagamentos das subscripções serão preenchidos respectivamente pelos subscriptores no lugar em que subscreverem, e nos periodos seguintes: na occasião de subscreverem pagarão 30$000 de cada acção; seis mezes depois de subscreverem pagarão 35$000; e no fim de doze mezes da época da subscripção pagarão os restantes 35$000 de cada acção.

Art. 7º As subscripções serão abertas na Cidade do Rio de Janeiro debaixo da superintendencia de cinco commissarios nomeados pelo Governo, e de tres commissarios da mesma sorte nomeados em cada um dos outros lugares, onde mais convenientemente se puderem realizar taes subscripções. Esses commissarios receberão uma compensação razoavel pelos seus serviços respectivamente, e serão indemnizados das despezas feitas; o que tudo será pago pelo Presidente, Directores, e Companhia do Banco por conta dos fundos do mesmo Banco.

Art. 8º Finda a subscripção em cada lugar, os commissarios mandarão tirar duas copias della, uma das quaes remetterão ao Ministro de Estado da Fazenda, e a outra guardarão; enviando o original aos commissarios na Cidade do Rio de Janeiro.

Art. 9º Recebidas as subscripções originaes (ou copias dellas, em caso que os originaes se tenham perdido, desencaminhado, ou demorado), os commissarios na Cidade do Rio de Janeiro procederão immediatamente a tomar uma conta de taes subscripções.

Art. 10. Se acharem subscriptos mais de 16.000:000$ os sobreditos commissarios deduzirão das maiores subscripções a somma de tal excesso, de maneira que nenhuma subscripção será diminuida em quanto houver uma maior. A reducção porém não se praticará nos lugares, onde as subscripções recebidas não excederem de duas mil acções, nem fará descer desse valor as subscripções de qualquer lugar.

Art. 11. No caso que a somma total das subscripções recebidas nos diversos lugares não chegue a 16.000:000$, as subscripções continuarão abertas até preenchimento da referida somma.

Art. 12. Os commissarios depositarão em lugar seguro os metaes recebidos dos subscriptores, para serem entregues no mesmo estado, era que foram recebidos ao Presidente, Directores, e Companhia do Banco, ou á sua ordem, logo que lhes fôr exigido depois da organização do Banco.

Art. 13. Logo que os commissarios dos diversos lugares tiverem recebido a somma de 4.800:000$000 por conta das subscripções para as acções do Banco (fóra as acções, com que entra o Governo), os Commissarios das subscripções na Cidade do Rio de Janeiro o farão publico ao menos por duas folhas periodicas impressas em cada um dos lugares, onde as subscripções se houverem feito (se tantas folhas lá se publicarem), marcando dia, e lugar dentro da Cidade do Rio de Janeiro com anticipação pelo menos de noventa dias, para se proceder á eleição de vinte Directores; e a eleição assim feita, será legal. O Governo nomeará cinco Directores, ainda que por esta vez não sejam accionistas.

Art. 14. As pessoas desta sorte eleitas, e nomeadas serão os primeiros Directores do Banco, passarão a eleger um dentre elles para Presidente, e exercerão taes empregos até á expiração da primeira segunda feira do mez de Janeiro proximo seguinte, em que se farão novas eleições e nomeações. Desde logo começarão elles, e continuarão as operações do Banco em a Cidade do Rio de Janeiro: nomearão os Officiaes, caixeiros, e serventes necessarios para o expediente dos negocios do Banco: dar-lhes-hão as compensações de seus serviços, que forem razoaveis: e exercerão as mais attribuições competentes a taes cargos.

Art. 15. Os accionistas do Banco, e seus successores serão uma corporação com o titulo de - Presidente, Directores, e Companhia do Banco do Brasil - e como taes ficam habilitados para possuirem, e administrarem os capitaes do Banco, seus rendimentos, e acquisições, com as restricções abaixo declaradas; e igualmente para estabelecerem os regulamentos convenientes ao regimen interno da corporação, não sendo contrarios ás Leis.

Art. 16. O numero de votos, á que os accionistas terão direito para a votação dos Directores, será regulado pelo numero de acções, que possuirem nas proporções seguintes: por uma acção até duas, um voto; por cada duas acções não excedendo de dez, um voto; por cada quatro acções acima de dez, e não excedendo de trinta, um voto; por cada seis acções acima de trinta, e não excedendo de sessenta, um voto; por cada oito acções acima de sessenta, e não excedendo de cem, um voto; por cada dez acções acima de cem, e não excedendo de cento e cincoenta, um voto; por cada doze acções acima de cento e cincoenta, e não excedendo de duzentas e dez, um voto; porém nenhum individuo, ou companhia terá direito a maior numero, que trinta votos.

Art. 17. Depois da primeira eleição nenhuma acção, ou acções darão direito de voto, se o accionista não as tiver possuido por espaço pelo menos de tres mezes anteriores ao dia da eleição. Sómente os accionistas, que estiverem no Brasil poderão votar nas eleições por procuração.

Art. 18. A administração do Banco será encarregada a vinte e cinco Directores tirados d'entre os accionistas; dos quaes cinco serão nomeados pelo Governo, e vinte eleitos pelos outros accionistas. Os Directores escolherão d'entre si à maioria de votos aquelle, que os ha de presidir.

Art. 19. Para que a Directoria do Banco possa deliberar, é necessaria a assistencia de sete membros, comprehendido o Presidente, ou aquelle, que suas vezes fizer por nomeação assignada de seu punho nos casos de molestia, ou de outro qualquer impedimento.

Art. 20. Os Directores não terão direito a emolumento algum, porém marcarão uma compensação ao Presidente pela sua continuada presença no Banco. Nenhum Director do Banco do Brasil, ou de alguma de suas Caixas Filiaes, poderá ser Director de outro Banco, e se algum fizer o contrario, cessará o seu emprego na direcção do Banco do Brasil.

Art. 21. Os Directores do Banco estabelecerão uma Caixa Filial em cada lugar, onde se possuirem mil acções, e em quaesquer outros lugares, que julgarem proposito dentro do territorio do Brasil sob os regulamentos, que julgarem convenientes, e não forem contrarios ás Leis.

Art. 22. A reunião de cincoenta accionistas pelo menos, cujas acções não sejam menos de mil, poderá em qualquer tempo convocar um ajuntamento geral dos accionistas para fins relativos ao Banco, declarando por duas folhas publicas o objecto da mesma convocação pelo menos tres mezes antes.

Art. 23. Os dividendos dos lucros do Banco serão pagos por semestres. Se algum accionista tiver faltado ao pagamento de alguma parte de suas acções, a parte que faltar, perderá o beneficio de qualquer dividendo anterior a tal pagamento.

Art. 24. Os Directores apresentarão em ajuntamento geral dos accionistas os relatorios circumstanciados, que forem necessarios à boa informação dos mesmos accionistas.

Art. 25. Findo que seja o termo da duração do Banco, ser-lhe-ha permittido usar do seu nome para final liquidação dos negocios, e ajustes de contas do mesmo Banco, e para venda de seus bens, e dividendo de seus capitaes; porém não para outro qualquer fim, nem por um periodo maior de dous annos depois de findo aquelle termo.

Art. 26. Não poderá o Banco possuir predios além dos necessarios para a sua accommodação, e bom expediente de seus negocios, ou os que lhe houverem sido empenhados, ou forem por elle adquiridos em satisfação de dividas anteriormente contrahidas no curso de suas transacções, ou adjudicados, ou comprados em hasta publica em consequencia de sentenças alcançadas pelas sobreditas dividas.

Art. 27. Não poderá o Banco comprar apolices da divida publica, nem emprestar somma alguma ao Governo, sem autorização do Poder Legislativo, pena de extincção do Banco, e perda da divida, ficando todavia o direito salvo aos accionistas para demandarem os membros da Directoria, que houverem effectuado o emprestimo, e cobrar-se-hão pelos seus bens.

Art. 28. Não poderá o Banco directa, nem indirectamente negociar em cousa alguma, que não seja em letras de cambio, ouro, ou prata, ou na venda de bens hypothecados por dinheiro emprestado, e não remido ao tempo devido, ou em artigos provenientes de seus predios; nem poderá receber mais de seis por cento ao anno de seus emprestimos, ou descontos. Pena de pagarem os contraventores o tresdobro do valor dos objectos da negociação, metade para o denunciante, e outra metade para a Fazenda Nacional.

Art. 29. O Banco se encarregará dos depositos publico, e particulares, de dinheiro, ouro, prata, joias, papeis de credito de qualquer natureza, sendo gratuito o deposito do dinheiro, e recebendo um por cento pelos objectos que devem ser entregues na mesma especie depositada. O mesmo Banco se encarregará do Cofre dos Orphãos, recebendo por emprestimo o dinheiro, que nelle existir, ou houver de entrar, a cinco por cento a beneficio dos Orphãos, fazendo gratuitamente a guarda de tudo o mais que pertencer ao mencionado cofre.

Art. 30. O Banco do Brasil não deixará de pagar á vista em ouro, ou prata qualquer das suas notas, letras, ou obrigações, nem de entregar promptamente as quantias recebidas em deposito em qualquer de suas Caixas; pena de pagar juro de doze por cento ao anno aos possuidores de taes notas, letras, ou obrigações, ou ás pessoas, que tiverem direito ao levantamento de taes depositos, desde o dia, em que se fizer o pedido até plena satisfação, e pagamento.

Art. 31. As notas do Banco serão divididas na razão de um, dous, cinco, sendo a minima de mil réis. Ellas serão do melhor padrão, e de um papel competente, e só differirão entre si pelas assignaturas do Presidente, e Directores das Caixas que as emittirem.

Art. 32. As notas do Banco do Brasil entrarão na receita, e despeza das Estações Publicas nos lugares, onde houver Caixas do mesmo Banco.

Art. 33. O Governo cunhará gratuitamente toda a moeda necessaria para o uso do Banco do Brasil; para o que fica autorizado a reorganizar a Casa da Moeda no material e pessoal della, dando parte á Assembléa Geral para sua approvação.

Art. 34. O Banco do Brasil fará o movimento dos dinheiros da Fazenda Nacional de um lugar para outro do Imperio, sem carregar commissões, nem pedir abatimento em razão de differença de cambio.

Art. 35. Os dinheiros do Governo serão depositados no Banco em todos os lugares, onde o mesmo Banco tiver Caixas; salvo se em qualquer tempo o Ministro de Estado da Fazenda ordenar o contrario, devendo em tal caso apresentar á Assembléa Geral as razões, que tiver para essa determinação.

Art. 36. O Banco se encarregará de substituir por notas suas todo o papel do Governo, a saber: as notas do extincto Banco actualmente em circulação no Rio de Janeiro, Bahia e S. Paulo, e as cedulas em gyro na Bahia, percebendo por isso a prestação annual de cinco por cento do seu total, para cuja realização ficam desde já applicados:

§ 1º A quantia, que fôr designada na Lei do Orçamento para esse fim.

§ 2º O dividendo das acções do Governo.

§ 3º A somma dos productos mencionados nos paragraphos segundo, terceiro, quarto e quinto do artigo 3º depois de preenchido o pagamento das acções do Governo.

Art. 37. O Banco apresentará mensalmente ao Ministro de Estado da Fazenda um relatorio da quantia do seu fundo capital, das dividas activas, dos dinheiros depositados no Banco, das notas em circulação, e dos metaes em caixa; e além disso annualmente o balanço geral do Banco.

Art. 38. O mesmo Ministerio enviará esse balanço á Camara dos Deputados, assim como aquelles relatorios no principio, e no fim de cada sessão.

Art. 39. Cada uma das Camaras, assim como o Ministro de Estado da Fazenda, poderão nomear commissões de exame para inspeccionar os livros, e examinar os trabalhos do banco. Todas as vezes que de taes exames se conhecer que esta Lei tem sido violada, o Governo, ou qualquer das Camaras Legislativas por intermedio deste, remetterá o negocio ao Poder Judicial. Se a violação se julgar provada por sentença, que se torne exequivel, ficará dissolvida a companhia do banco.

Art. 40. Se dentro do prazo de tres annos não poder o banco ter começado suas operações por falta de complemento das subscripções, ou pagamentos das acções para seu fundo capital, então poderá esta Lei ser por outra lei derogada, e julgada sem effeito em tudo o que respeita ao banco.

Art. 41. Ficam derogadas as leis, e disposições em contrario.

Manda portanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém. O Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos oito dias do mez de Outubro de mil oitocentos trinta e tres, duodecimo da Independencia e do Imperio.

FRANCISCO DE LIMA E SILVA.
JOÃO BRAULIO MONIZ.
Candido Jose de Araujo Vianna.

Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Imperial Manda executar o Decreto da Assembléa Geral Legislativa, que Houve por bem Sanccionar, fixando o novo padrão monetario, e estabelecendo um banco de circulação, e deposito, como nella se declara.

Para Vossa Magestade Imperial Ver.

José Maria da Fonseca Costa Junior, a fez.
Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho.

Sellada na Chancellaria do Imperio em 12 de Outubro de 1833. - João Carneiro de Campos.

Foi publicada esta Carta de Lei na Secretaria do Tribunal do Thesouro Publico Nacional em 14 de Outubro de 1833.

  • No impedimento do Official-maior, Manoel de Azevedo Marques.

Registrada na Secretaria do Tribunal do Thesouro Publico Nacional a Folhas 25 do Livro de semelhantes.

  • Rio de Janeiro em 16 de Outubro de 1833.
  • Joaquim Diniz da Silva Faria.
Tabella para o imposto do sello
INDICAÇÃO DOS DOCUMENTOS ESPECIFICAÇÃO DOS DOCUMENTOS TAXAS
Livros de escripturação judicial, e commercial De papel ordinário $020
De hollanda $040
De bastardo $060
De real $080
De imperial $100
Recibos, contractos, arrendamentos até o valor De 10$000 $010
De 10$000 até 50$000 $020
De 50$000 até 100$000 $040
Fôro, bilhetes de despacho, e loterias Bilhetes de despacho $010
Papeis forenses não especificados
Bilhetes de loterias $040
Papeis forenses especificados
Cartas dos ministros seculares, e ecclesiasticos Ministro dos tribunaes 10$000
Desembargadores das Relações 4$000
Ministros ecclesiasticos, provisões, vigarios geraes 2$400
Cursos juridicos, e escolas medicas Director 10$000
Lentes Secretarios 4$000
Gráo de doutor 2$400
Bachareis 1$600
Todos os Professors de instrucção publica
Officios de justiça, e fazenda Rendimento annual até 300$000 1$000
Dito de 300$000 até 600$000 2$000
Dito de 600$000 até 1:000$ 3$000
Dito de mais de 1:000$000 4$000
Alvarás, ou cartas de mercês, e privilegios Assignados pelo Imperador 4$000
Assignados por outra qualquer autoridade 1$600
Bullas pontificias, e as de seus delegados Oratorios, e capellas 20$000
Intersticios, secularisações, e mudanças 12$000
Matrimonios: Pessoas que tenham a renda annual de 100$ $040
Em geral 2$400
Todas as mais não especificadas 1$600
Letras de cambio Até o valor de 500$ $100
De 500$ até 1:000$ $200
De 1:000$ até 2:000$ $400
De 2:000$ até 3:000$ $600
De 3:000$ até 4:000$ $800
De 4:000$ até 5:000$ 1$000
De mais de 5:000$ 1$200
Letras da terra, acções. bilhetes de credito, apolices de seguro Até o valor de 100$ $040
Todos os documentos comerciais não especificados
De 100$ até 200$ $060
De 200$ até 400$ $080
De 400$ até 1:000$ $200
De mais de 1:000$ $240

Palacio do Rio de Janeiro, em 8 de outubro de 1833.
Candido José de Araujo Vianna.

Originalmente publicado no site do Senado Federal do Brasil.