A corporação dos moedeiros
Com a evolução do mundo e o natural surgimento do Poder Constituído, os detentores desse poder passaram a avocar a si o direito de moedagem, isto é, a exclusividade da autorização do batimento de moeda, bem como da concessão desse direito. Na Idade Média o privilégio de moedagem pertencia ao rei, ao poder eclesiástico ou aos senhores feudais.
O encarregado de trabalhar a moeda passou a ser conhecido como moedeiro. De início, o moedeiro tinha a incumbência ampla de todo o processamento, desde a concepção da moeda, até a cunhagem.
Com o tempo, passaram a surgir as especializações, destacando-se o numulari (o que fazia a prova da moeda) ou pecunia speculatoris (ensaiador), provedor, tesoureiro, juiz da balança, cunhador, fundidor, fiel do ouro ou da prata, guarda do cunho, abridor de cunhos, conservador e serralheiro.
Sabe-se que os antigos romanos costumavam agrupar os artistas em Colégios, a fim de que fossem desenvolvidas as aptidões, medida que alcançou extraordinários resultados, sendo adotada por outros povos, inclusive na Idade Média, daí originando-se as Corporações de Artes e Ofícios.
A França reuniu, no princípio do século XII, pela primeira vez, em uma Corporação, os artistas-moedeiros, a eles concedendo privilégios especiais. Surgiu, então, a Corporação dos Moedeiros, que rapidamente se espalhou pela Europa.
Os componentes da Corporação dos Moedeiros eram sagrados Cavalheiros, prestando juramento. Entre os privilégios destacam-se a isenção de irem à guerra, a do pagamento dos impostos municipais, o direito a tribunal próprio e a prisão especial.
Eram sujeitos a Alcaides e julgados pelos mestres da moeda. Suas mulheres e famílias podiam usar sedas e as viúvas "que estivessem em boa fama’’ desfrutavam, igualmente, de todos os privilégios, honrarias e exceções. "Não se lhes podia tomar roupa, nem palha, nem cevada, nem galinhas, nem lenha ou outra qualquer coisa, contra a vontade".
Em Portugal, do qual o Brasil herdou a tradição, a Corporação dos Moedeiros iniciou-se no reinado de D. Dinis, em 1324. Tal importância tinham as Corporações que a elas se dava o direito de participarem das procissões, possuindo cada classe artística um padroeiro.
Os moedeiros de Lisboa administravam a Confraria de Sant'Ana da Sé e, até nossos tempos, os moedeiros da Casa da Moeda do Brasil têm em Santana sua padroeira, reunindo-se anualmente, no dia 26 de julho, em missa dedicada à Santa.
O moedeiro era admitido na Corporação, através de Cerimônia especial, denominada Sagração do Moedeiro. Portando um capacete prestava, de joelhos, juramento solene, sobre os Santos Evangelhos, recebendo, do Provedor da Instituição, o grau que lhe era conferido, através de duas leves pancadas sobre o capacete, com uma espada reta, finamente lavrada. Essas pancadas significavam "fé e lealdade" e "dedicação ao trabalho".
O Museu da Casa da Moeda do Brasil exibe, ainda hoje, em vitrine especial, o capacete e a espada usados na solenidade da Sagração do Moedeiro.
Os cargos eram obtidos por hereditariedade ou parentesco com o predecessor. Os moedeiros constituíram a representação mais perfeita que existiu no regime corporativo.
Em Portugal, até o século XVII, alguns moedeiros residiam na Casa da Moeda, por ordem real, apresentando oficialmente senhas às sentinelas, a fim de serem por elas reconhecidos, quando tinham necessidade de regressar, altas horas da noite.
Existia a preocupação permanente dos reis de Portugal na manutenção dos privilégios dos moedeiros, inclusive os do Brasil, conforme cita Fortunée Levy, em trecho de D. João V:
"Me pareceu ordenar-vos façais guardar aos moedeiros-do-numero da Casa da Moeda que há nessa cidade os mesmos privilégios que são concedidos aos da Casa da Moeda desta cidade de Lisboa".
Com o tempo, as Corporações dos Moedeiros foram sofrendo restrições em seus privilégios, até serem extintas, na França, em 1791 e, em Portugal, em 1834.
Todavia, a mística do MOEDEIRO permaneceu até nossos dias, como o artífice de uma das molas-mestras do desenvolvimento de uma nação.
Fonte:
Transcrição das páginas 20 e 21 do livro "Casa da Moeda do Brasil: 290 anos de História, 1694/1984" de Cleber Baptista Gonçalves.